segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

11ª. AULA VINGANÇA E MISERICÓRDIA



I - PEDAGOGIA EM SITUAÇÃO
Já iniciando o Terceiro Milênio, vivemos, porém, a cultura da violência. Sucedem-se genocídios, ações terroristas, movimentos discriminatórios e guerras. A violência passa pela família, pelos ambientes de trabalho, no atendimento aos serviços públicos, no trânsito. A agressão, a vingança, marcam o dia-a-dia de nossas vidas. Os jovens já são socializados em padrões de violência, pois essa cultura de agressão é amplamente divulgada e reproduzida, pelos meios de comunicação.
Como reagir a essa "cultura de violência"?
Pela cultura da não-violência, que consiste em aprender a "não reagir com violência a uma atitude violenta."
II - COM0 A VINGANÇA SE MANIFESTA?
A vingança se manifesta em nosso íntimo como uma reação carregada de forte emoção, por uma ofensa ou agressão dirigida a nós ou mesmo a outrem. São formas de revide em discussões acaloradas, ou propósitos violentos diante de crimes cometidos a familiares. Em geral, são as emoções muito fortes de ódio que levam ao desequilíbrio e que conseqüentemente desencadeiam lutas corporais, discussões, e até mesmo atos criminosos.
A vingança é um dos últimos resíduos dos costumes bárbaros, que tendem a desaparecer dentre os homens (..) é um índice seguro do atraso dos homens que a ela se entregam, e dos Espíritos que ainda podem inspirá-la. Portanto, meus amigos, esse sentimento jamais deve fazer vibrar o coração de quem quer que se diga e se afirme espírita. (ESE, Cap. XII item 9)
Embora não sejam as ocorrências de vingança revestidas de tanta crueldade como nos tempos bárbaros, elas ainda são muito freqüentes em nossos dias. Talvez sua manifestação não seja tão bruta como nos tempos dos bárbaros, mas o sentimento incontido continua a habitar o interior do homem. Toda falta de equilíbrio, de domínio sobre si mesmo e de seus atos é indício de atraso do Espírito.
III - POR QUE SUPERAR?
1) Para não sofrermos. O ódio e o rancor provocam tristeza em quem os sente. A misericórdia, ou seja, o renunciar à vingança, é um sentimento de libertação, portanto de alegria. Querer vingar-se é estar preso, é ser escravo de si mesmo.
2) Como podemos galgar degraus na marcha evolutiva como podemos aspirar à espiritualidade se ainda estamos imantados a outros indivíduos por correntes de ódio?
3) Se o outro errou, cabe no entanto a nós evitar manchar nosso perispírito para não sermos infratores às leis de causa e efeito, de ação e reação, para não fazermos ao próximo o que não gostaríamos que alguém nos fizesse.
4) O espírita tem ainda mais um motivo para ser misericordioso: os inimigos desencarnados. A morte pode livrá-lo da presença material apenas, mas estes podem continuar a manifestar seu ódio, gerando assim obsessões e subjugações, a que tantas pessoas estão expostas .
... não se pode apaziguá-los senão pelo sacrifício dos maus sentimentos, ou seja, pela caridade. (E.S.E, Cap. XII item 6)
IV - COMO SUPERAR?
Primeiramente, mantendo-nos vigilantes, no sentido de manter a harmonia e o equilíbrio interior, evitando deixar envenenar-se por pensamentos insistentes de revide. Lembremos que a justiça divina está acima da justiça dos homens.
Sede, pois, misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso. (Lc, 6:36)
A misericórdia consiste na própria virtude do perdão.
Deixar de julgar, de odiar, é essa a definição de misericórdia. É a virtude que triunfa sobre o ressentimento, sobre o ódio justificado por nós mesmos, sobre o rancor, o desejo de vingança ou de punição.
Trata-se de vencer o ódio em nós, se não pudermos vencer o ódio no outro. Importa sermos capazes de nos dominar, na impossibilidade de dominar o outro. Trata-se de, pelo menos, alcançar a vitória sobre o mal, de não somarmos ódio ao ódio, de neutralizarmos o ódio com o amor. Por isso nos recomenda Jesus:
Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos perseguem e caluniam, para serdes filhos de vosso Pai, que está nos céus, o qual faz nascer o seu sol sobre bons e maus, e vir chuva sobre justos e injustos. (Mt, 5:44)
Jesus não quis dizer com isso que tenhamos por um inimigo o mesmo amor que temos por um amigo. Não podemos ter confiança naquele que acreditamos nos querer mal. Amar os inimigos é perdoar-lhes sem segunda intenção e incondicionalmente. Não é verdadeiro o perdão que se dá vinculado a uma condição, mas sim o perdão pelo perdão. O perdão condicional não é sincero, mas está preso a uma hipótese, a uma troca, portanto não é libertador. A misericórdia é uma virtude em si mesma, ser misericordioso como o Pai é misericordioso é vivenciar um sentimento universal sem distinção, sem discriminação. Esse sentimento universal aumenta a medida em que diminuímos a super-estima por nossa subjetividade.
Se a misericórdia é virtude, ela deve valer por si mesma, e não subjetivamente. Aquele que só é justo com os justos, misericordioso com os misericordiosos, não pode ser considerado nem justo nem virtuoso. A virtude não pode ser considerada um mercado de trocas; se assim fosse deixaria de ser virtude.
Reconcilia-te com teu adversário enquanto estás a caminho com ele (..). (Mt., 5:25)
Quando Jesus nos recomenda a reconciliação com o adversário o mais cedo possível, não nos ensina apenas a evitar discórdias no presente, mas a evitar que elas se perpetuem no futuro. Que possamos superar eventuais sentimentos negativos que ainda alimentemos contra alguém o quanto antes, antes que seja tarde demais. Que possamos agir hoje de forma a nada termos de nos arrepender amanhã.
Isto não significa que devamos tolerar os abusos dos brutos.
Mas será que precisamos odiá-los para combatê-los? Esta reconciliação não abole a falta perante a justiça divina, mas sim o rancor dentro de nós. A exigência de ser generoso, em perdoar, não anula as exigências objetivas da justiça. Em nenhuma passagem do Evangelho, o perdão - ou mesmo a misericórdia como sua fonte - significa indulgência para com o mal, com o escândalo.
Cristo, Paulo e Estevão, deram-nos exemplos desse perdão sem condições, desse perdão que é uma conquista libertadora e não uma troca, e que é a maior vitória sobre si mesmo. Reconciliar não é deixar de combater o erro, mas combater o adversário "dentro de nós".
Se estás fazendo a tua oferta perante o altar, e te lembrar que teu irmão tem algo contra ti, deixa ali tua oferta diante do altar e vai te reconciliar primeiro com teu irmão (..) (Mt, 5,23-24)
Jesus nos ensina que o amor e o ressentimento não podem coexistir. Se objetivamos a espiritualidade, se aspiramos à transcendência, se buscamos a alegria interior pela vivência do amor, se nos propomos a dedicar-nos, "diante do altar de Deus" e da nossa consciência ao espírito de missão, não podemos "manchar" a pureza da nossa busca com o ódio. Ao entrar no templo da interioridade importa não ter nenhum sentimento negativo, caso contrário não conseguiremos a comunhão essencial com Deus.
Se alguém vos ferir na face direita, oferecei-lhe também a outra. (Mt., 5:39)
Para o orgulhoso essa frase pode parecer uma covardia, no entanto exige muito mais coragem em suportar um insulto que em se vingar. Jesus não proibiu com isso a defesa, mas sim a vingança; Jesus não quis sugerir a passividade mas sim que não resistíssemos ao mal com o mal. ( ... ) É mais glorioso ser ferido que ferir, suportar pacientemente uma injustiça que cometê-la. (ESE., Cap. XII, item 8). A ação não é o ativismo, a agitação, a impaciência. A passividade, por sua vez, não é a inação. A manifestação exterior, passiva aos olhos dos homens, implica porém, em atividade do Espírito. Nesse sentido os julgados passivos perante os homens são os mais fortes perante Deus.
Não julgueis para não serdes julgados ( .. ). (Mt, 7:7) Temos uma tendência muito grande a discriminar, a julgar e mesmo odiar os infratores da lei. Jesus não proibiu que reprovássemos o mal, pois ele mesmo o fez e em termos enérgicos, porém, ensinou que a autoridade da censura está na razão da autoridade moral (ESE. Cap. X, item 11). É assim que na passagem da mulher adúltera (Jo., 8:3-11) ao dizer: "Quem de vocês não tiver pecado, que atire a primeira pedra", Jesus remete para a comunidade a responsabilidade pelo que acontece à mulher faz cada um olhar para dentro de si e ver que não está em cordições de dizer que nada tem a ver com a falta alheia. Jesus não quis provar que mulher adúltera era inocente, mas fez um apelo a adúltera para voltar à fidelidade e deu uma chance à multidão para se tornar mais humana e se reconhecer também necessitada de compaixão. Fossem os nossos atos avaliados pelas medidas com que julgamos os atos alheios, estaríamos inapelavelmente soterrados de tantos males acumulados em nossa volta.
Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia. (Mt, 5:7)
Além de ser a virtude do perdão e de renúncia ao revide, a misericórdia implica necessariamente em brandura e pacificação, molduras que ornamentam os traços nítidos do perdão e da tolerância.
A misericórdia é o complemento da brandura, pois os que não são misericordiosos também não são mansos e pacificos. (ESE, Cap. item 4)
A misericórdia só existe se acompanhada de brandura, ou seja, um estado de equilíbrio, de paz interior, que não se deixa abalar, mesmo em momentos de conflito. A brandura é a virtude da flexibilidade, da adaptabilidade, do desapego. É assim que a brandura e a doçura em relação aos infortunados tornam-se bondade; em relação aos culpados, tornam-se misericórdia.
No entanto, se ainda não conseguimos o amor aos inimigos como Jesus nos ensinou, cessemos ao menos de odiar. Façamos o bem com o menor mal possível ao outro. Se são felizes os misericordiosos que combatem o mal sem ódio no coração, sejamos, pois, misericordiosos também para conosco mesmos.

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