sábado, 13 de abril de 2013

Psicologia subjetiva - Adenáuer Novaes


“Tu és mestre em Israel, e não compreendes estas cousas?” João, 3:10.

Há passagens no Evangelho cuja compreensão se torna difícil se não buscarmos uma análise subjetiva, desvinculada da época e da cultura em que foi citada. A análise subjetiva visa buscar o sentido psicológico contido por detrás das palavras metaforicamente utilizadas.

Há aparentes aberrações e contradições em certos trechos, em parte creditadas às traduções e à ausência de vocábulos, à época, que expressassem o sentido que o Cristo pretendia afirmar. Escolhemos alguns trechos que merecem uma análise psicológica a fim de retirarmos as interferências culturais e as limitações lingüísticas impostas.

Mesmo que acreditemos que as palavras do Cristo tivessem um sentido e um objetivo únicos, e que visassem permitir exclusivamente uma única interpretação, não poderíamos deixar de considerar que sua percepção por parte de quem as ouvisse ou lesse, sofreria variações de acordo com a cultura em que estivesse inserido, bem como com seu nível de evolução. O que equivale dizer que o Cristo quis passar uma mensagem calcada nas leis de Deus, e o fez através de frases cuja construção permitisse flexibilidade e maleabilidade de compreensão ao longo da evolução do ser humano. O que de fato ocorreu, pois até hoje é possível, e o será por muito mais tempo, entender o significado do amor inscrito em sua mensagem imortal.

Se pegarmos, por exemplo, a seguinte colocação do Cristo em Mateus, 10:37:

“Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos e irmãs, e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo.”

A frase propõe uma submissão sectária ao Cristo à custa do afastamento da família, o que depõe contra seu propósito em fortalecer a sociedade a exemplo de um reino onde vigorasse a paz e o amor.

Por outro lado se buscarmos perceber sob um ponto de vista psicológico, notaremos que se trata de valorização excessiva das influências atávicas do ser humano, em detrimento da percepção da mensagem renovadora do Evangelho.

Durante muito tempo, e por várias encarnações, seguimos os ditames da cultura, explícitos nos sentimentos ligados à noção de pátria ou nação, nas tradições de clãs e famílias, nos sectarismos de grupos, partidos, castas e sociedades exclusivistas. Essa ligação, muitas vezes, nos impede de avançar ao encontro de sentimentos, idéias e emoções superiores e da valorização de sentimentos altruístas de fraternidade, igualdade e amor. Ligamo-nos psicologicamente a esses determinantes, esquecendo-nos da transformação individual que nos compete realizar.

Aos poucos, e a partir de experiências significativas nas diversas culturas, o Espírito percebe sua inserção numa família maior, a família cósmica. Esse sentimento de integração numa família maior, não o afasta de continuar vinculado a uma família ou clã, nação, etc.


A desvinculação psicológica das ligações parentais é fundamental para o desenvolvimento espiritual do ser humano. Devemos permanecer ligados afetivamente àqueles que fazem parte de nossa família originária, porém devemos aprender a separar as tendências egóicas do grupo familiar
daquelas que são da individualidade. Somos Espíritos que devemos realizar o progresso social, porém sem perder nossa individualidade.

O Espírito imortal possui faculdades por nós desconhecidas e que ainda vamos descobri-las ao longo da evolução. O Cristo, com suas palavras, atingia o Espírito buscando facultar-lhe o desenvolvimento dessas faculdades. Para conseguir isso temos que aprender a nos desvincular das influências parentais que nos afastam do encontro conosco mesmos, com o próximo e com Deus.

Ele pede ainda o sacrifício da própria vida, o que seria um contra-senso, pois o objetivo do Cristo é a consciência da vida e de seu valor. A vida que deve ser sacrificada é a do ego com seus desejos de poder e de realizar-se sem se orientar pelos princípios organizadores do Espírito através do Self.

Ir ao Cristo, aborrecendo a família e sacrificando a Vida é o processo de individuação a que se refere Jung, em que o Espírito se ilumina permanecendo consciente de seus referenciais psicológicos sem se deixar determinar-se por eles. É uma mensagem direta ao inconsciente para que este se realize na consciência.

A psiquê é uma estrutura do Espírito que executa funções complexas a serviço do processo evolutivo. Nela se processam elaborações psíquicas que irão redundar em ações e reações do Espírito. O Cristo falava com a consciência de que poderia alcançar aquela estrutura. Asfrases, aparentemente desconexas para o ego, não são para a psiquê, pois esta possui a faculdade de decodificar o sentido das mensagens existentes por detrás das palavras.

“Deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos.”

Seria absurdo pensar que o Cristo estaria incentivando o descuido para com o funeral necessário ao corpo de todo aquele que desencarna. Todo corpo merece funeral digno, seja com cremação ou enterro. Porém, como bem colocou Allan Kardec, ele, ao dizer aquela frase, se referia aos excessivos cuidados, não só com o corpo do falecido, como também com seus pertences. Costuma-se agir como se o desencarnado ainda estivesse presente, transferindo-se para os objetos que lhe pertenceram, os sentimentos que se tinha por ele. O alerta do Cristo é para que nos voltemos para o 
Espírito e não para a matéria. Os mortos são aqueles que se ligam demasiadamente às coisas materiais que pertenceram ao desencarnados.

Por outro lado, no aspecto psicológico, podemos entender que, na psiquê, temos aspectos desconhecidos ou negados, os quais Jung chamou de sombra. Ela pode ser negativa ou positiva, pois contém não só aquilo que não sabemos que internamente existe em nós, e que são conquistas positivas, como também conteúdos que negamos em nossa personalidade, por serem aspectos sombrios e de difícil aceitação como componentes de nossa personalidade.

Há conteúdos psíquicos que fazem parte de nossa personalidade e que são responsáveis por atitudes aversivas e inadequadas que ainda temos, aos quais permitimos que continuem influenciando nosso comportamento, cujo valor que lhes atribuímos contribui para que permaneçamos em estágios evolutivos infantis. Embora nossa sombra possua conteúdos bem vivos e atuantes em nós, tornam-se mortos pela forma como os relegamos. São matéria morta da psiquê que nos tornam mortos para a vida. ‘Enterrar’ essa matéria é trabalhar seu conteúdo de forma a diluir seus efeitos até que desapareçam ou se transformem.

A nossa limitação está em conseguir descobrir qual o conteúdo daquela matéria. O que faz parte dela é uma incógnita, a qual nem sempre se descobre a solução. Devemos começar pela auto-análise, onde tentaremos descobrir os dificultadores de nossa existência, que estão dentro de nós.

Muitas vezes choramos ou lamentamos exageradamente alguma dor ou perda, esquecendo-nos que estamos passando por uma ‘morte’ necessária. Alguns aspectos do ego precisam morrer para permitir a expressão do Espírito. Durante a Vida enfrentamos várias mortes e, aprender a dar o valor adequado, nem maior nem menor, às nossas dores é sinal de maturidade psicológica. Não adianta se insurgir contra os ciclos naturais da Vida. É preciso reconhecer quando é o momento de enterrar velhas atitudes, idéias, emoções e escolhas para iniciar um novo estágio evolutivo.

Devemos também ter a consciência de que não é aconselhável dar mais atenção ao ‘lixo’ do passado, após ter sido trabalhado o suficiente para ser dissolvido. Quem permanece com as sombras do passado acaba por se tornar sombrio. Quem só enxerga o aspecto negativo da existência, torna-se uma pessoa depressiva e triste, contaminando os outros com quem convive.

“Não vim trazer paz, mas espada.”

Parece também contraditória essa colocação do Cristo, mas se analisarmos que a psiquê deve estar sempre num embate entre o consciente e o inconsciente, entenderemos que aquela divisão é o confronto entre os opostos em nós. A divisão que ele veio trazer não é só aquela que nos coloca em confronto com aqueles que ainda não entendem sua mensagem. A divisão se dá quando assumimos sua mensagem como roteiro de Vida e temos que romper com nosso passado, reiniciando a vida sob novas condições.

O ser humano, ao entrar em contato e interiorizar a mensagem do Cristo, entrará em conflito face às exigências do mundo a que está acostumado. Sua psiquê, através do ego, até então acostumado com os mecanismos de defesa frente à necessidade de mudar de direção, ver-se-á na obrigatoriedade de transformar-se. A divisão é a percepção dos opostos e a necessidade de integrá-los para alcançar-se efetivamente a paz de espírito.


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