segunda-feira, 15 de abril de 2013

Aborrecer pais e filhos no limiar da nova era


“Certas palavras, aliás muito raras, atribuídas ao Cristo, fazem tão singular contraste com o seu modo habitual de falar que, instintivamente, se lhes repele o sentido literal (…)” (ESE, cap. 13, item 3)
Com efeito, frases como “se alguém vier a mim, e não aborrecer, pai e mãe, a mulher e filhos, a irmãos e irmãs, e ainda também à própria vida, não pode ser meu discípulo” (Lucas, 14,26) só seriam mais bem compreendidas após a exemplificação dos seus apóstolos, especialmente de Paulo. Após seu encontro inesquecível com o Mestre, a caminho de Damasco, já haviam se passado mais de três anos, quando o ex-fariseu batia à porta de seu velho pai. Rejeitado em Jerusalém, doente e necessitado de tudo, alimentava a esperança de ser acolhido na casa paterna para nela encontrar paz. Mas, suas esperanças se evaporaram ao toque do ombro de rocha de Isaac: “Saulo, é cristão?”
Não poderia mais voltar, negando fidelidade ao Messias esperado… “Sou, meu pai, pela graça do senhor Jesus” – respondeu resignadamente o tarsense.
Aquele testemunho foi a condição para mais uma vez ser expulso, mas agora era da casa de sua infância, e pela boca áspera de seu genitor. Dirigindo-se cambaleante às montanhas do Tauro, em uma fenda escondida, recebe, ao final da tarde, um impulso de compaixão divina, que sua gratidão iria registrar na carta II Coríntios: eram Abigail e Estêvão insuflando as palavras divinas: “Saulo, ame, trabalhe, espere e perdoe.” E deste conselho foram outros três anos de trabalho na tecelagem, aguardando o chamado do Mestre.
Os mais de seis anos de espera e meditação foram o cadinho onde a força de Saulo, mais tarde Paulo, foi forjada para difusão do Evangelho de Jesus: do Oriente até a capital Imperial, em uma área de 3 milhões de quilômetros quadrados e durante mais de duas décadas. Durante todo este período o apóstolo de Cristo foi preso, chicoteado, apedrejado, humilhado, sofreu naufrágio, quase morto por uma serpente, expulso das cidades, perseguido, e abandonado sempre. Mas, em todas estas situações, amou, trabalhou, esperou e perdoou – tudo para se tornar digno de Cristo.
Estudando sua vida, podemos afirmar: Paulo de Tarso aborreceu seus pais, sua mulher, seus filhos, seus irmãos e, inclusive, a si próprio para se tornar digno de Jesus.
E a pergunta que naturalmente decorre: Ora, como fez isso, se não teve esposa nem descendência, e era filho único?
Conforme a recomendação ponderada acima do Codificador, certas palavras de Jesus Cristo merecem maiores reflexões, sobretudo se lhes emprestamos significados atuais.
Aborrecer pais e filhos, irmãos e amigos, portanto, não poderia significar desprezar-lhes os corações e os justos sentimentos, provocando aflições, descontentamento e vergonha, porque este entendimento estaria em contradição com a essência do Evangelho, no qual extraímos os ensinos honrar pai e mãe, perdoar sempre, ser pacífico e brando, humilde e simples…
Como também não poderia ser um incentivo ao recolhimento solitário e egoístico em mosteiros, conventos e comunidades isoladas a fim da oração improdutiva e da contemplação ociosa, na tentativa ilusória de se afastar da impureza temporal – proposta absurda da própria Igreja. Tampouco um convite ao abandono dos deveres sagrados de família e das obrigações da sociedade. Afinal ambos seriam uma contradição ao ensino de Jesus que conclamava seus seguidores serem o sal da terra, o fermento que leveda, a luz para todos, que deveriam exemplificar as lições morais e dar a César o que é de César.
Diante destas observações, que é então aborrecer pais e filhos? E por que Paulo o fez, a despeito das constatações acima?
Aborrecer pais e filhos é, pois, aborrecer as crenças ancestrais, as tradições antigas, e os modelos sociais impostos a favor de um propósito – o trabalho com Jesus!
Paulo, ante a grandeza de Cristo, não teve dúvidas: soube reconhecê-lo como o Messias, aquele que vinha libertar a humanidade da estreiteza material e nos apresentar a vida eterna através da vitória na cruz.
Assim, quando seus pares e, também, quando Isaac naquele encontro doloroso, lhe disseram: “O Messias será um senhor de exército que liderará Israel na vitória contra Roma” – Saulo, afirmou, não! O Messias veio nos mostrar que a verdadeira vitória é a conquista da vida eterna, vencendo nossas imperfeições, e a libertação real é aquela que vem através do amor aos inimigos e o perdão das ofensas.
“Israel é o povo da Promessa e deverá reinar sobre todos os outros. Somente o judeu é o modelo escolhido por Deus, pois tem a marca da circuncisão, não come carnes proibidas, não se dá com pagãos…”– E Saulo, com coragem, bradava mais uma vez, não! Jesus quer vida para todas as nações e nenhuma de suas ovelhas se perderá. A verdadeira pureza é aquela do coração, independente de rituais e marcas físicas, e o sacrifício mais agradável a Deus é aquele que se faz ao amor próprio. Deus é um sol que ilumina a todos, judeus e não judeus…
Com estas palavras, especialmente as últimas, conquistou animosidades dos de sua raça. Aborrecendo-os, divulgou o Evangelho e hoje somos herdeiros dele.
Se Saulo aborreceu seus pais na divulgação da segunda revelação, o nobre Prof. Rivail também aborreceu aos seus na Codificação da Doutrina Espírita – o Consolador Prometido por Jesus.
Em abril de 1857, o Prof. Rivail revelando extrema coragem publicou na sociedade parisiense o Livro dos Espíritos, inaugurando os pilares na Nova Revelação. Enfrentou repúdio e perseguição, pois idéias engessadas da ciência e religião foram comprometidas. Mas do brilhantismo e persistência do seu trabalho, foram publicados outros quatro livros, e a Revista Espírita durante doze anos.
Hoje, no limiar da nova era, os espíritas somos convocados a prestar o testemunho, dando continuidade à obra inacabada, conforme sintetizado nas palavras do Espírito de Verdade: “Espíritas! amai-vos, este o primeiro ensinamento; instruí-vos, este o segundo.” (ESE, cap. 06, item 05) Amor e instrução – o roteiro sagrado para o Planeta de Regeneração que, tanto quanto com Paulo, reclama o questionamento dos valores materialistas estabelecidos e das tradições religiosas alicerçadas nos dogmas, tudo a favor de um novo objetivo: o Evangelho de Jesus vitalizado pelas luzes do Consolador!
Assim, para a conquista deste objetivo, será necessário antepor resistências…
Ouviremos dos sábios das Ciências: “não é o homem senão o corpo físico; e a alma é uma ilusão” – mas, diremos não! A verdadeira vida é a espiritual; somos espíritos eternos no caminho do progresso, através da experiência material.
E outros dirão: “Fora da Igreja não há salvação, a qual se obtém pelo batismo nas águas, pela confissão de Jesus Salvador, o Deus Encarnado, e pelos rituais prescritos.” – e, ainda assim, diremos não, porque a salvação é a consciência em paz perante Deus e sua Criação, obtida não pela fé contemplativa, mas pela vida fraterna, amando e perdoando sempre nosso próximo, conforme exemplificado por Jesus Cristo – o Governador Espiritual do Nosso Planeta.
E finalmente: “Há somente uma única vida, na qual é proibido o contato com os mortos. E quem incorre em semelhante pecado, sofrerá com as penas eternas, aonde Satanás é seu promotor.” – e negaremos tal afirmação, porquanto a mediunidade é hálito de Deus, alimentando de esperanças suas criaturas, fazendo-nos lembrar que somos imortais e a reencarnação é a ferramenta abençoada com a qual nenhuma das ovelhas do Senhor se perderá nas diversas moradas do Pai; e mesmo que Satanás existisse, é ele também criatura divina, herdeira da felicidade, tanto quanto todos nós!
Espíritas, sejamos todos nós, por palavras e na vivência, herdeiros da Codificação e de todos os seus heróis, aborrecendo a ilusão materialista e a presunção dogmática, porque é chegado o grande momento, e assim nos tornarmos dignos de Jesus, Nosso Senhor!
REFERÊNCIAS
KREMER, Ruy. Paulo, um homem em Cristo. 1ª edição. Rio de Janeiro: FEB, 2011, cap. 07 pg 68
XAVIER, F. C. Paulo e Estêvão: episódios históricos do Cristianismo Primitivo / ditado  pelo espírito Emmanuel. 43ª edição. Rio de Janeiro: FEB, 2006, cap. 03 2ª parte, pg 365 e 385
ESE: Evangelho Segundo o Espiritismo
Enviado por nosso amigo, leitor e colaborador Manuel Ferreira Barbosa Neto
Palestrante Espírita – Goiânia – GO

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