quarta-feira, 30 de julho de 2014

O Egoísmo

O Egoísmo

Renato Costa – rsncosta@terra.com.br

O Egoísmo em O Evangelho Segundo o Espiritismo

11. O egoísmo, chaga da Humanidade, tem que desaparecer da Terra, a cujo progresso moral obsta. Ao Espiritismo está reservada a tarefa de fazê-la ascender na hierarquia dos mundos. O egoísmo é, pois, o alvo para o qual todos os verdadeiros crentes devem apontar suas armas, dirigir suas forças, sua coragem. Digo: coragem, porque dela muito mais necessita cada um para vencer-se a si mesmo, do que para vencer os outros. Que cada um, portanto, empregue todos os esforços a combatê-lo em si, certo de que esse monstro
devorador de todas as inteligências, esse filho do orgulho é o causador de todas as misérias do mundo terreno. E a negação da caridade e, por  conseguinte, o maior obstáculo à felicidade dos homens.

Jesus vos deu o exemplo da caridade e Pôncio Pilatos o do egoísmo, pois, quando o primeiro, o Justo, vai percorrer as santas estações do seu martírio, o outro lava as mãos, dizendo: Que me importa! Animou-se a dizer aos judeus: Este homem é justo, por que o quereis crucificar? E, entretanto, deixa que o conduzam ao suplício.

É a esse antagonismo entre a caridade e o egoísmo, à invasão do coração humano por essa lepra que se deve atribuir o fato de não haver ainda o Cristianismo desempenhado por completo a sua missão. Cabem-vos a vós, novos apóstolos da fé, que os Espíritos superiores esclarecem, o encargo e o dever de extirpar esse mal, a fim de dar ao Cristianismo toda a sua força e desobstruir o caminho dos pedrouços que lhe embaraçam a marcha. Expulsai da Terra o egoísmo para que ela possa subir na escala dos mundos, porquanto já é tempo de a Humanidade envergar sua veste viril, para o que cumpre que primeiramente o expilais dos vossos corações. - Emmanuel. (Paris, 1861.)

12. Se os homens se amassem com mútuo amor, mais bem praticada seria a caridade; mas, para isso, mister fora vos esforçásseis por largar essa couraça que vos cobre os corações, a fim de se tornarem eles mais sensíveis aos sofrimentos alheios. A rigidez mata os bons sentimentos; o Cristo jamais se escusava; não repelia aquele que o buscava, fosse quem fosse: socorria assim a mulher adúltera, como o criminoso; nunca temeu que a sua reputação sofresse por isso. Quando o tomareis por modelo de todas as vossas ações? Se na Terra a caridade reinasse, o mau não imperaria nela; fugiria envergonhado; ocultar--se-ia, visto que em toda parte se acharia deslocado. O mal então desapareceria, ficai bem certos.

Começai vós por dar o exemplo; sede caridosos para com todos indistintamente; esforçai-vos por não atentar nos que vos olham com desdém e deixai a Deus o encargo de fazer toda a justiça, a Deus que todos os dias separa, no seu reino, o joio do trigo.

O egoísmo é a negação da caridade. Ora, sem a caridade não haverá descanso para a sociedade humana. Digo mais: não haverá segurança. Com o egoísmo e o orgulho, que andam de mãos dadas, a vida será sempre uma carreira em que vencerá o mais esperto, uma luta de interesses, em que se calcarão aos pés as mais santas afeições, em que nem sequer os sagrados laços da família merecerão respeito. Pascal. (Sens, 1862.)

O Egoísmo em O Livro dos Espíritos

Na Introdução

“Ensinam-nos que o egoísmo, o orgulho, a sensualidade são paixões que nos
aproximam da natureza animal, prendendo-nos à matéria; ...”

Sempre que lemos uma afirmação contida em qualquer obra, inclusive na Codificação Espírita, temos que submetê-la à razão e ao bom-senso, à luz dos conhecimentos que adquirimos com o estudo teórico e a experiência prática. É assim que, como estudiosos que somos da evolução anímica, toda afirmação que fale de animal, nos faz refletir.

Ao falar de natureza animal no texto acima citado, Kardec se refere aos instintos primitivos do homem. No entanto, será que tais instintos têm mesmo a ver com natureza animal? Vejamos.

Em estudos que apresentamos nesta casa, tivemos a oportunidade de falar sobre a evolução anímica, sobre a inteligência emocional e racional de espécies animais. O surgimento de ciências dedicadas ao estudo do comportamento animal ocorreu apenas no século XX, após a Codificação ter sido escrita, portanto. Desse modo, a visão predominante no século XIX, de que os animais eram seres inferiores, primitivos, sem raciocínio, guiados exclusivamente por instintos, foi totalmente superada.

A evolução anímica não é feita por saltos. Se o homem possui um raciocínio poderoso, livre arbítrio pleno sobre seus pensamentos e bastante amplo sobre seus atos, é porque tais conquistas foram sendo lentamente desenvolvidas no reino precedente por onde ele passou, isto é, no reino animal.

Jeffery Moussaieff Masson, psicanalista com doutorado em sânscrito e Susan Mc Carthy, bióloga e jornalista, escreveram um interessantíssimo livro intitulado “When Elephants Wheep” (“Quando os Elefantes Choram”), onde analisam os trabalhos de grande quantidade de especialistas na vida animal, procurando levantar as características emocionais das diversas espécies. De particular interesse ao nosso estudo, o Capítulo 8 do livro trata de “Compaixão, Salvamento e o Debate sobre o Altruísmo”. Os casos ali citados são eloqüentes para demonstrar que as espécies animais mais evoluídas estão desenvolvendo emoções que antes se pensava serem exclusivas dos seres humanos.

Um caso particularmente interessante é o de um filhote de rinoceronte que se tinha atolado na lama sem que sua mãe, aparentemente, percebesse que ele não podia segui-la. Um elefante adulto que pastava por perto se aproximou do filhote de rinoceronte várias vezes, tentando enlaçá-lo com sua tromba e levantá-lo com as presas, mas, todas as vezes que ele tentava fazer isso, a mãe rinoceronte o atacava, pensando que ele queria machucar seu filhote. A coisa foi indo até que o filhote conseguiu soltar-se por si próprio.

Como o elefante nada tinha a ganhar para si ou para a sua espécie e arriscou-se várias vezes a levar uma chifrada mortal da mãe rinoceronte, fica evidente que ele queria mesmo salvar o filhote de outra espécie que não a sua. Se tal fato se passasse em uma sociedade humana, a ninguém ocorreria duvidar que se tratasse de um lindo ato de altruísmo. Achamos justo, portanto, concluir que, no caso citado, houve um claro ato de altruísmo... de um animal.

Então, não nos parece próprio, com o conhecimento que possuímos em pleno século XXI, dizermos que o egoísmo aproxima o homem de sua natureza animal. O egoísmo, parece-nos preferível dizer, aproxima o homem da natureza mais primitiva de suas próprias emoções hominais.


Na Escala Espírita

Terceira ordem. - Espíritos imperfeitos

101. CARACTERES GERAIS. - Predominância da matéria sobre o Espírito.
Propensão para o mal. Ignorância, orgulho, egoísmo e todas as paixões que lhes são conseqüentes.

Segunda ordem. - Bons Espíritos

107. CARACTERES GERAIS - ... Quando encarnados, são bondosos e benevolentes com os seus semelhantes. Não os movem o orgulho, nem o egoísmo, ou a ambição...

Que bom! Nossa conclusão, após sabermos que animais podem ser altruístas, estava certa. O egoísmo não aproxima o homem da natureza animal. Ele está, isso sim, presente nos estágios primitivos da evolução do Espírito.

Falando de Meios de Conservação

707. É freqüente a certos indivíduos faltarem os meios de subsistência, ainda
quando os cerca a abundância. A que se deve atribuir isso?

“Ao egoísmo dos homens, que nem sempre fazem o que lhes cumpre.

Vemos, cada vez mais, o surgimento de movimentos preocupados com a sociedade humana, com a vida animal, com o planeta. Desenvolvimento sustentável, erradicação da fome, extinção da miséria, são, todos, termos da moda. A sociedade humana, de par com a evolução dos Espíritos que a compõem, demanda mais e mais ações visando o social, o bem estar coletivo.

Falando de Desigualdades sociais

806. É lei da Natureza a desigualdade das condições sociais?

“Não; é obra do homem e não de Deus.”

a) - Algum dia essa desigualdade desaparecerá?

“Eternas somente as leis de Deus o são. Não vês que dia da dia ela gradualmente se apaga? Desaparecerá quando o egoísmo e o orgulho deixarem de predominar.

Já chamavam os Espíritos a atenção de Kardec ao perguntarem: “Não vês que dia a dia ela (a desigualdade) gradualmente se apaga?” Sim, é difícil para nós percebermos, com todas as nossas ocupações, o que se passa à nossa volta. No entanto, a evolução é incessante e, com ela, todos os comportamentos e emoções primitivos vão sendo abandonados pelo homem.


Falando da Perfeição Moral

Paixões

O egoísmo

913. Dentre os vícios, qual o que se pode considerar radical?

“Temo-lo dito muitas vezes: o egoísmo. Daí deriva todo mal. Estudai todos os vícios e vereis que no fundo de todos há egoísmo. ... Quem quiser, desde esta vida, ir aproximando-se da perfeição moral, deve expurgar o seu coração de todo sentimento de egoísmo, visto ser o egoísmo incompatível com a justiça, o amor e a caridade. Ele neutraliza todas as outras qualidades.”

917. Qual o meio de destruir-se o egoísmo?

“De todas as imperfeições humanas, o egoísmo é a mais difícil de desenraizar-se porque deriva da influência da matéria, influência de que o homem, ainda muito próximo de sua origem, não pôde libertar-se e para cujo entretenimento tudo concorre: suas leis, sua organização social, sua educação. O egoísmo se enfraquecerá à proporção que a vida moral for predominante sobre a vida material e, sobretudo, com a compreensão, que o Espiritismo vos faculta, do vosso estado futuro, real e não desfigurado por ficções alegóricas. Quando,
bem compreendido, se houver identificado com os costumes e as crenças, o Espiritismo transformará os hábitos, os usos, as relações sociais. O egoísmo assenta na importância da personalidade. Ora, o Espiritismo, bem compreendido, repito, mostra as coisas de tão alto que o sentimento da personalidade desaparece, de certo modo, diante da imensidade. Destruindo essa importância, ou, pelo menos, reduzindo-a às suas legítimas proporções, ele necessariamente combate o egoísmo.”

“O choque, que o homem experimenta, do egoísmo dos outros é o que muitas vezes o faz egoísta, por sentir a necessidade de colocar-se na defensiva. Notando que os outros pensam em si próprios e não nele, ei-lo levado a ocupar-se consigo, mais do que com os outros. Sirva de base às instituições sociais, às relações legais de povo a povo e de homem a homem o princípio da caridade e da fraternidade e cada um pensará menos na sua pessoa, assim veja que outros nela pensam. Todos experimentarão a influência moralizadora do exemplo e do contacto. Em face do atual extravasamento de egoísmo, grande virtude é verdadeiramente necessária, para que alguém renuncie à sua
personalidade em proveito dos outros, que, de ordinário, absolutamente lhe não agradecem. Principalmente para os que possuem essa virtude, é que o reino dos céus se acha aberto. A esses, sobretudo, é que está reservada a felicidade dos eleitos, pois em verdade vos digo que, no dia da justiça, será posto de lado e sofrerá pelo abandono, em que se há de ver, todo aquele que em si somente houver pensado.”  FÉNELON.

Das considerações de Fénelon verificamos uma visão interessante. Diz o nobre comunicante da Codificação que o egoísmo “deriva da influência da matéria”, complementando seu raciocínio afirmando que “O egoísmo se enfraquecerá à proporção que a vida moral for predominante sobre a vida material...” Ora, a vida moral vai ganhando predomínio sobre a vida material à medida que O Espírito evolui do estado de ignorância para os patamares seguintes.

Outras Fontes

Matt Ridley, doutor em zoologia, escreveu outro interessante livro, intitulado “The Origins of Virtue” (As Origens da Virtude). Nesse interessante livro, Ridley mostra que é a cooperação e não a competição o que faz com que as sociedades tenham sucesso a longo prazo. A proposta do autor está de acordo com o entendimento espírita de que a competição selvagem, filha do egoísmo, será superada, a longo prazo, pela cooperação fraternal, filha da caridade.

A Teoria dos Jogos

A teoria dos jogos é uma teoria matemática sobre conflito e colaboração. Para o nosso estudo, selecionamos, dessa teoria um caso interessante.

O Dilema do Prisioneiro

O dilema do prisioneiro é uma situação hipotética em que dois comparsas, A e B, são pegos cometendo um crime. Levados à delegacia e colocados em celas separadas, o advogado diz a cada um que a polícia possui evidência suficiente para mantê-los presos por um ano, mas não o bastante para uma condenação mais pesada. Porém, se um confessar e concordar em depor contra seu cúmplice, ficará livre por ter colaborado, e o outro irá para a cadeia por 3 anos. Já se ambos confessarem o crime, cada um sofrerá uma pena de dois anos.

As decisões são simultâneas e um não sabe nada sobre a decisão do outro. O dilema do prisioneiro mostra que, em cada decisão, o prisioneiro pode satisfazer o seu próprio interesse (trair o comparsa, confessando o crime e concordando em acusar o outro para se ver livre) ou atender ao interesse da dupla (cooperar, calando para que ambos sejam beneficiados, caso o seu comparsa também cale, ficando ambos com apenas um ano de prisão). As possibilidades são as seguintes:


B coopera com A
B trai A
A coopera com B
1 ano para A
1 ano para B
3 anos para A
B fica livre
A trai B
A fica livre
3 anos para B
2 anos para A
2 anos para B

Para qualquer um dos prisioneiros, isoladamente, o melhor resultado possível é trair e seu parceiro ficar calado. E até mesmo se seu parceiro trair, o prisioneiro ainda lucra por não cooperar também, já que ficando em silêncio pegará três anos de cadeia, enquanto que, confessando, só pegará dois. Em outras palavras, seja qual for a opção do parceiro, o prisioneiro se sai melhor traindo, pois é a única opção que ele tem de, eventualmente ser libertado.

O único problema é que ambos chegarão a essa conclusão sem muita dificuldade: a escolha racional é trair. Essa lógica vai, desta forma, proporcionar a ambos dois anos de cadeia. Se os dois cooperassem, haveria um ganho maior para todos, mas a otimização dos resultados não é o que acontece.

Por que no dilema do prisioneiro a otimização dos resultados não costuma ocorrer? Devido ao egoísmo ainda enraizado na humanidade. A atitude racional do indivíduo é pela autopreservação, pelo benefício próprio. No entanto, o dilema do prisioneiro mostra claramente que o amor incondicional, a caridade para com o próximo oferece a melhor resultado para a comunidade. Na tabela acima vemos que o melhor resultado, considerada a dupla, é quando ambos calam (cooperam). A soma das condenações de ambos, neste caso, é de 2 anos, enquanto, em qualquer outra hipótese é de 4.

A conclusão mais interessante do Dilema do Prisioneiro, à luz da Doutrina Espírita, é que, se a situação se repetisse seguidas vezes, os dois indivíduos iriam experimentando estratégias até que ambos percebessem que o melhor resultado sempre ocorria quando ambos cooperassem, passando, então, a cooperar entre si nas ocorrências seguintes. É exatamente assim que ocorre com a evolução do Espírito. São as inúmeras experiências que temos, vida após vida, que nos vão ensinando as vantagens da caridade mútua, da cooperação e dissolvendo em nossa mente a ilusão do egoísmo.



Pausa para o Humor

Definições de Egoísta

“O Egoísta é uma pessoa de mau gosto que se preocupa mais consigo mesmo do que comigo.” Ambrose Bierce.

“Um egoísta é aquele sujeito que se empenha em falar dele mesmo quando você está morrendo de vontade de falar de você.” Jean Cocteau.


A Caridade, Segundo Paulo

Na Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios, o incansável apóstolo dos gentios nos fala, de modo poético e sábio, sobre a Caridade:

Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver caridade, sou como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine. Mesmo que eu tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência; mesmo que tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tiver caridade, não sou nada. Ainda que distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada valeria!

A caridade é paciente, a caridade é bondosa. Não tem inveja. A caridade não é orgulhosa. Não é arrogante. Nem escandalosa. Não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.

A caridade jamais acabará. As profecias desaparecerão, o dom das línguas cessará, o dom da ciência findará. A nossa ciência é parcial, a nossa profecia é imperfeita. Quando chegar o que é perfeito, o imperfeito desaparecerá. Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Desde que me tornei homem, eliminei as coisas de criança. Hoje vemos como por um espelho, confusamente; mas então veremos face a face. Hoje conheço em parte; mas então conhecerei totalmente, como eu sou conhecido.

Por ora subsistem a fé, a esperança e a caridade - as três. Porém, a maior delas é a caridade.

A transcrição acima foi feita a partir da tradução dos originais gregos realizada pelos Monges de Maredsous. Ela, como a Vulgata, se refere à caridade. Ocorre que outras traduções, como a edição revisada de Almeida, utilizam, em lugar de “caridade”, a palavra “amor”. Afinal, poderíamos nos perguntar, de que falava Paulo, da “caridade” ou do “amor”? Para podermos responder a esta pergunta, é necessário recorrermos ao original.


O Amor e a Caridade

Ao recorrermos ao original grego, verificamos que a palavra utilizada é ágape. No grego antigo havia três palavras que podem ser traduzidas como amor. São elas: eros, fília e ágape. Na verdade, como veremos, são estágios evolutivos do amor. Ao galgarmos o seguinte, não abandonamos o anterior, guardando dele, no entanto, apenas o que tem de melhor.

Eros é o amor apaixonado, o desejo intenso por alguma coisa ou alguém. Ele é, comumente, associado ao amor sexual, mas, na realidade, é mais que isso. Eros é o estágio primitivo, irracional do amor, correspondendo às paixões que sentimos, seja por pessoas, coisas ou idéias. Eros está relacionado à satisfação pessoal, ao sentimento de realização, como, também, ao orgulho e à vaidade. Se estacionarmos nesse estágio, nosso amor é egoísta, tudo querendo para nosso próprio prazer, nossa própria satisfação. No entanto, se o possuirmos de forma controlada e o utilizarmos como um motor para as nobres realizações em benefício do próximo, é instrumento importante à nossa disposição, pois nos mantém vibrantes e empolgados, não nos permitindo desanimar jamais. É Eros, também, que nos faz nos amarmos a nós mesmos de forma equilibrada quando já estamos evoluídos, sabendo cuidar de nossa saúde física e mental, de nossa aparência, de nossa apresentação no meio em que vivemos. Ser evoluído não é andar em andrajos, desdentado, sujo. Para quem tem condições de se cuidar, isso é indício apenas de relaxamento.

Estritamente, Fília se refere ao amor existente entre pais e filhos, entre familiares e entre entes próximos. Por extensão, porém, pode ser entendido como amizade. Ao contrário de Eros, Fília ocorre como resultado da apreciação que temos por aqueles que nos são próximos. É amor emocional, mas, também, racional. Como Fília se entendem, também, as lealdades que temos na família, no trabalho e na sociedade em geral. Se nos satisfazemos com Fília e restringimos nossas ações do bem àqueles que nos são queridos, permanecemos no amor possessivo, pois, ao limitarmos nossa ajuda aos entes que nos são mais próximos, forçosamente esperaremos deles fidelidade a nós, julgando-os nossos devedores. Estacionados nesse estágio, somente amamos nossos familiares, nossos colegas, nossa raça, nossa cor de pele, nossa religião, formando, com quem se encontra no mesmo estágio que nós, as diversas comunidades exclusivistas e sectárias que se espalham pelo mundo afora. Entretanto, Fília pode ser usado, também, com equilíbrio e sabedoria, da mesma forma que Eros. Basta que saibamos que todos são filhos de Deus e, portanto, nossos irmãos e irmãs, constituindo toda a humanidade uma imensa família. Para os Espíritos evoluídos é filia que os faz lembrar da responsabilidade que têm para com seus familiares. Ser evoluído não é dedicar todo o tempo ao Centro Espírita e deixar os filhos aos cuidados de terceiros. Quando Joana de Cusa quis seguir a Jesus em suas caminhadas, o Mestre lhe disse que fosse, primeiro, cuidar de seu marido e de seu filho, que haviam sido confiados aos seus cuidados por Deus.

Ágape se refere estritamente ao amor de Deus pelos homens e dos homens por Deus, mas pode ser entendido como o amor incondicional, o estágio final da evolução do amor. Quem tem ágape no coração faz o bem sem ostentação, serve a todos com igual dedicação, percebe os infortúnios ocultos e age para minorá-los, assim como se empenha nas grandes desgraças com bravura e determinação. Ensina a todos à sua volta, não tanto por palavras, mas, mormente, pelo exemplo constante. É alegre e sereno, estando sempre pronto para o serviço do bem e a cada um se dirigindo conforme suas necessidades.

O amor ágape é paciente, bondoso. Não tem inveja, não é orgulhoso. Não é arrogante, nem escandaloso. Não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.

O Amor Ágape em ação é a Caridade

Como acabamos de ver, o egoísmo nada mais é que o estágio mais primitivo do amor. É o amor do ignorante. Assim, o que está na raiz de todos os males não é o egoísmo, mas a ignorância.

Simples e Ignorante

Mas, como falamos que o egoísmo é o estágio mais primitivo do amor, quando será que ele desponta?

Todos ouvimos dizer que os fomos criados simples (sem emoções, boas ou más) e ignorantes (sem conhecimento).

No entanto, poucos de nós nos perguntamos, à luz da evolução anímica: “quando foi que fomos criados assim?”.

O estágio atual de conhecimento científico sobre o comportamento animal, aliado ao que nos ensina a Doutrina, nos permite um raciocínio interessante.

As espécies animais mais evoluídas estão claramente individualizadas, possuem emoções e um raciocínio razoável, por mais rudimentar que nos pareça, e são capazes de adquirir conhecimento com a experiência, recebê-lo e transmiti-lo. Já as espécies mais primitivas, essas não demonstram emoções, não parecem adquirir conhecimento com a experiência e, frente às situações mais diversas não dão evidências de raciocinar.

Vemos, portanto, que somos criados “simples e ignorantes” não quando entramos no reino hominal, mas em algum momento de nosso longo percurso pelo reino animal. O momento de nossa criação é quando nos tornamos indivíduos.

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Essa aparente digressão de nosso tema tem sua razão de ser. Como vimos, o egoísmo é o estágio mais primitivo do amor. Ora, se indivíduos de espécies superiores de animais demonstram altruísmo, isso nos informa a evolução do amor é muito lenta.

Mais que muito lenta, veremos, ainda, que a evolução do amor tampouco se dá no mesmo ritmo nas diversas espécies.

O Chimpanzé e o Muriqui

Para mostrarmos como a evolução das emoções e do amor, em particular, se dá em ritmo diferente nas várias espécies, inclusive na humana, compararemos dois primatas, o conhecido chimpanzé e o menos conhecido muriqui ou cara-preta.

O chimpanzé é, dentro, os animais, o que possui o genoma mais parecido com o do homem. E, como veremos, seu comportamento em muito se semelha ao dos humanos. Chimpanzés são inteligentes, emotivos e se comunicam intensamente, como os humanos. Sabem ser carinhoso, tratam com amor os seus filhotes, ficam tristes quando perdem a quem amam. Mas, também como os humanos, comem outros animais, brigam para acasalar, brigam entre si por outros motivos, lutam por ascender no grupo, respeitam o mais forte, lutam com outros grupos, agridem membros isolados de outros grupos, mesmo que fracos e indefesos. Se parecem com os humanos na razão e na emoção.

O muriqui é tão grande quanto o chimpanzé, mas é vegetariano. Os muriquis não brigam entre si nem com outros grupos. O líder de um grupo não é o mais forte nem o mais velho, mas o mais carinhoso, aquele que abraça mais os outros. Acasalam de maneira tão civilizada e respeitosa que envergonha a raça humana. Quando uma fêmea está no cio, os machos fazem uma fila ordeira e esperam ser apreciados pela dama que decide se quer ou não se acasalar com cada um. Os rejeitados se retiram tranqüilos, não gritam, nem agridem os outros. São extremamente alegres e comunicativos, abraçando-se uns aos outros com tanta freqüência que às vezes formam “cachos” de muriquis pendurados das árvores.

Citamos os dois exemplos de primatas para mostrar aos irmãos e irmãs que o caminho evolutivo que o homem tomou – e que parece estar sendo seguido pelo chimpanzé – não é único.

Se a maioria dos humanos hoje encarnados no planeta dá mostras de, após tantos milênios, não ter ainda superado o egoísmo em seu coração, isso não quer dizer que outras espécies demorarão o mesmo tempo que nós. Pelo que hoje sabemos do simpático muriqui, algo nos diz que, quando, daqui a séculos ou milênios, ele adentrar no reino hominal, em algum planeta distante para onde forem transladadas as almas de sua espécie, ele já iniciará sua nova jornada com o amor filia dominando seu coração. E, com essa grande conquista da inteligência emocional já obtida, sua evolução no reino hominal poderá vir a ser muito mais rápida que a nossa.


Receita Contra o Egoísmo

Para concluir nosso estudo, vamos ler a Receita Contra o Egoísmo, que se acha em vários sites na Internet como de autoria de André Luiz, sem termos contudo, sabido de qual obra ela foi citada ou em que local foi psicografada por Chico.                                                                                  

1- Procure esquecer o lado escuro da personalidade do próximo.

2- Aprenda a ouvir com calma os longos apontamentos do seu irmão, sem
o impulso de interromper-lhe a palavra.

3- Olvide a ilusão de que seus parentes são as melhores pessoas do mundo
e de que a sua casa deve merecer privilégios especiais.

4- Não dispute a paternidade das idéias proveitosas, ainda mesmo que hajam atravessado o seu pensamento, de vez que a autoria de todos os serviços de elevação pertence, em seus alicerces, a Jesus, nosso Mestre e Senhor.

5- Não cultive referências à sua própria pessoa, para que a vaidade não faça ninho em seu coração.

6- Escute com serenidade e silêncio as observações ásperas ou amargas dos seus superiores hierárquicos e auxilie, com calma e bondade, os companheiros ou subalternos, quando estiverem tocados pela nuvem da perturbação.

7- Receba com carinho as pessoas neurastênicas ou desarvoradas, vacinando seu fígado e a sua cabeça contra a intemperança mental.

8- Abandone toda a espécie de crítica, compreendendo que você poderia estar no banco da reprovação.

9- Habitue-se a respeitar as criaturas que adotem pontos de vista diferentes dos seus e que elegeram um gênero de felicidade diversa da sua, para viverem na terra com o necessário equilíbrio.

10- Honre a caridade em sua própria casa, ajudando em primeiro lugar a seus familiares, através do rigoroso desempenho de suas obrigações, para que você esteja realmente habilitado a servir ao mundo e à humanidade, hoje e sempre...

Bibliografia

COSTA, Renato. Golfinhos, Papagaios e Muriquis: Três Caminhos Diferentes da Evolução Anímica. In Revista Internacional de Espiritismo, Agosto de 2003.

MASSON, Jeffrey Moussaieff e McCARTHY, Susan. When Elephants Weep. New York: Dell Publishing, 1996.

RIDLEY, Matt. The Origins of Virtue. New York: Penguin Books, 1997.
                                             
Dilema do Prisioneiro, em Teoria dos Jogos. Insite. PUC-RJ. Obtido de http://www.mat.puc-rio.br/~inicient/3_jogos/dilema.htm

Estudo apresentado na Sub-sede Copacabana da Instituição Espírita Joanna de Ângelis, em 15/04/2004

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