quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Aspectos Evolutivos Da Dor E Da Perda

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Sonia Theodoro da Silva

Refletindo sobre a mensagem de Léon Denis, A Grande Educadora-Balada aos que sofrem, psicografada por Yvonne do Amaral Pereira, podemos compreender que não há incompatibilidade entre viver e sofrer.

Tema de grave importância e de grande atualidade podemos encontrá-lo disseminado em toda a Codificação espírita, tendo sido amplamente trabalhado pelo próprio autor da mensagem, no livro de sua autoria “O Problema do Ser, do Destino e da Dor”.

Contudo, queremos nos referir aqui, não somente à dor que surge como produto de nossas próprias ações, por vezes impensadas, e que tem sido amplamente esmiuçada em seus aspectos psicológicos pelo Espírito Joanna de Ângelis, em sua obra com base no tema Causas Atuais e Anteriores das Aflições (cap. V de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”) e que pode e deve ser evitada, mas aquela que nos impele à evolução, e que não depende de nossa vontade, pois tampouco compõe o rol de nossas opções ou escolhas.

Emmanuel refere-se a esta dor como “dor-evolução” ou “dor-realidade”, pois consta do quadro de provações necessárias ao aprimoramento e crescimento do Ser em sua jornada milenar rumo à plenitude espiritual.

A dor proveniente de nossas atitudes equivocadas, fruto de nossas imperfeições, foi a atriz principal da obra Shakesperiana, dando-lhe espaço de amplo significado.

Othelo (veja-se artigo neste portal sob o título O Poder da Palavra), Hamlet, Macbeth, O Mercador de Veneza, Romeu e Julieta, Ricardo III e Julio César, dentre outras, destacam os personagens sempre dela acompanhados, a se revezarem numa ampla gama de definições: ciúmes, inveja, traições, ressentimentos, ódio, desespero, aflição, egoísmo, avareza, paixão e morte, além da sede desvairada e torturante pelo poder, este último também mostrado de forma alegórica no relato mitológico de Tolkien, O Senhor dos Anéis.

Este é o teatro das imperfeições humanas, hoje retratadas nas telas do cinema e dos DVDs (refiro-me aqui aos de boa qualidade), e que exibe, através de temática variada e com o atrativo dos efeitos especiais, o apego e a escravização do Ser às próprias paixões subjacentes à sua natureza mal conhecida em suas potencialidades infinitas. As conseqüências serão tão ou mais contundentes quanto maior for o ímpeto do indivíduo em escravizar-se-lhes voluntariamente. Evidente que não existe aqui a relação crime-e-castigo, tão claramente esboçada na obra de Dostoievsky em romance de mesmo título, mas a simples relação causa-efeito, ação praticada pela vontade humana, gerando o efeito sob os auspícios do determinismo divino. Vivemos em um nível evolutivo onde a dualidade de intenções é característica de nossa natureza. Nada mais natural, portanto, que recebamos conforme as nossas opções.

Por sua vez, a dor-evolução, de tempos em tempos atua como estímulo ao Espírito ao longo de sua jornada milenar e, no atual estágio, como Ser que se encarna, no cumprimento involuntário da Lei Biológica da reencarnação, desperta-o da estagnação consciencial na qual tende a situar-se e manter-se.

É importante entendermos que a dor, num plano de contrastes violentos como é o de provas e expiações, é mecanismo para o reconhecimento da verdadeira identidade espiritual que portamos na própria matéria, ou, despojada dela, num plano de outra dimensão material, não obstante ambas estarem situadas no mesmo degrau evolutivo. Por mais estejamos sensibilizados pelo sofrimento da perda, é premente reconhecer que nossa identidade real é a espiritual, que todos estamos temporariamente habitando um corpo físico, precioso escafandro limitador de nossos ímpetos, educador de nosso Espírito através dos instintos, facilitador de nossa evolução através da educação dos sentidos e das emoções.

Na verdade, perdas não existem. As perdas materiais significam transformações - de indivíduos, de coletividades, como uma pedagogia em situação, ou seja, trata-se de processo educacional na prática. Por outro lado, se sofremos a perda pela morte, seja ela natural ou provocada, é importante entender o seu significado: morte não é o fim de tudo, é porta aberta à dimensão existencial do Espírito, eterno, imutável e perfectível.

Fomos educados pelas religiões e filosofias humanas a crer no sofrimento punitivo ou na estagnação após a morte, senão nas crenças niilistas, todas tão absurdas quanto a postura dos próprios autores que as criaram, muitos dos quais portadores de síndromes e patologias.

Na verdade, poderíamos classificar o momento em que vivemos, não só como o de provas definitivas ao crescimento espiritual, como também o da revisão urgente de conceitos, crenças e filosofias estabelecidas por esses espíritos, que, pela lei natural, sentir-se-ão naturalmente obrigados a rever suas posturas, e numa próxima reencarnação, a revisar no todo ou em parte as suas afirmações tidas como verdade absoluta e aduladas pelo intelectualismo vazio.

Mas a compaixão divina, que se manifesta constantemente ao espírito humano, cego em seu isolacionismo desesperado, diz: a morte não existe e só há perdas quando perdemos oportunidades valiosas ao nosso crescimento.

Na sua jornada, o Princípio Inteligente passa por estágios de sensibilização (criado ignorante e simples). Estes estágios servem como despertamento consciencial - este não se dá no reino hominal, que por sua vez é resultante de um natural progresso do Espírito no decurso do tempo, ao desenvolver suas potências de forma linear e constante, obedecendo ao princípio causal do Determinismo divino. Contudo, ao manifestar-se a inteligência, busca de forma irresistível o seu próprio crescimento, numa espiral infinita e ininterrupta, jamais retornando ao ponto de partida, embora evoque, de maneira contínua, seus primeiros arroubos evolutivos.

A fixação nos instintos primários ou à vivência de crenças fúteis e falsas levam o Espírito dotado de razão, discernimento, cultura, religiosidade e emoções, aos disparates e distorções que vemos no atual momento, chamando para si uma outra qualidade de experiência, desta vez mais contundente e por vezes rude, senão trágica, se conceituarmos os grandes desastres individuais e coletivos como tal, pois assim nos parece.

Somos atualmente uma civilização em transição. Se prestarmos atenção, veremos múltiplos níveis de evolução progressiva convivendo simultaneamente: desde a manifestação da barbárie, antropologicamente comparados ao período anterior a Moisés, aos mais comoventes sentimentos de solidariedade demonstrando efetivo progresso da alma; desde a ambição destrutiva que se volta contra a natureza, revelando um evidente desvio de conduta, à busca pela preservação da vida vegetal e animal; desde a agressividade enferma contra a vida de seu semelhante, que vai desde a brutal interrupção de uma gestação, à investida contra a frágil infância, ampliando-se aos jovens, adultos e idosos, até as infinitas formas de amparo e sustentação da Vida humana onde quer que esta se manifeste.

Estejamos atentos, pois temos diante de nós uma variável evolutiva como nunca antes aconteceu neste planeta. Outros dramas ainda poderão advir, pois entre os extremos, o ser humano tem buscado freneticamente isolar-se e fixar-se em um estágio que não mais lhe pertence, dando vazão a um primarismo condizente com os primeiros momentos de sua manifestação inteligente.

Despertar para um plano de regeneração, implica no despojamento da prevalência da matéria sobre o Espírito. Implica em mudar para a prevalência do sentimento sobre a sensação, do amor sobre a paixão, do equilíbrio das emoções, todos em amplo sentido, amplo significado. E com a razão em plena atividade, pois leva ao discernimento, à maturação e à análise de fatores que o levarão à escolha definitiva pela sua própria espiritualização.

De que adianta termos amplo conhecimento conceitual sobre ética, moral, valores humanos, sentimentos elevados, religiosidade, se ainda o utilizamos para privilegiar interesses pessoais, alimentando vaidades que exacerbam o orgulho e mantém as criaturas aprisionadas e submetidas ao egoísmo próprio e alheio?

A Terra já foi comparada por Emmanuel com um educandário do Espírito onde a diplomação demanda esforços que levam tempo, dedicação, trabalho, renúncias, noites insones, mas sobretudo amor à causa na qual milita. A verdadeira causa, a do Espírito, busca realizações, melhorias, progresso, onde o aluno tem deveres e obrigações, nunca privilégios.

Também a um hospital: neste, o Espírito só vai quando adoece - lá existem enfermidades de curta ou de longa duração; crônicas ou agudas, originadas por desenganos morais ou por maus tratos e agressões ao corpo físico, enfermidades estas “ativadas” em seus registros perispirituais pelo mal proceder (vide Predisposições Mórbidas, no livro “Evolução em Dois Mundos”, do Espírito André Luiz, psicografia de F.C.Xavier).

Portanto, estamos em período de muito trabalho. E trabalho implica em empenho no reconhecimento dessas mesmas imperfeições que nos mantém chumbados ao plano de dores, aflições, apegos, revoltas, ressentimentos, verdadeira tortura mental que obsedia, maltrata e conduz ao sofrimento inútil que nos leva a lugar nenhum.

Jesus disse: “Vinte a mim, vós que estais cansados e eu vos aliviarei, pois leve é o meu fardo e suave o meu jugo”. A despeito do esforço meritório de grandes pensadores e intelectuais de todos os tempos, na verdade todos são apenas trilhas que conduzem ao caminho verdadeiro, apregoado por Ele e seus ensinos, imorredouros, eternos pois falavam ao Espírito, também eterno, e não à matéria, simples instrumento que se transforma à medida em que o primeiro progride.

Bibliografia recomendada: KARDEC, ALlan, O Evangelho Segundo o Espiritismo, O Livro dos Espíritos e Céu e Inferno; DENIS, Léon, O Problema do Ser, do Destino e da Dor; EMMANUEL, Espírito e XAVIER, F.C., O Consolador).

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