domingo, 12 de maio de 2013

Autodescoberta - Adenáuer Novaes


“Buscai e achareis.” Mateus, 7:7.

Este é um dos grandes imperativos do evangelho, onde o Cristo categoricamente afirma algo que, se tomado ao pé da letra, levaria-nos a equívocos. O sentido externo, isto é, quando aplicado ao mundo fora do ser humano, nem sempre se torna possível, pois nem tudo que buscamos, literalmente achamos. Porém, num sentido psicológico podemos aceitar a colocação como verdadeira, pois, a depender da interpretação que dermos, teremos a resposta adequada.

Buscar é procurar, é motivar-se para algum objetivo. Subentende intencionalidade e não passividade. É um ato deliberado em que se visa um alvo específico. Nesse sentido, a recomendação é por uma ação, uma saída de dentro para fora; uma atitude para com a Vida, eliminando a inércia e a espera de que algo mágico aconteça por nós.

O psiquismo humano é constituído de matéria sutil, como um tecido de extrema plasticidade e flexibilidade em que, com a ação do ego e o direcionamento do Self, construímos cenários que servem de base para percebermos o mundo de tal forma que não vemos outra maneira de enxergar a realidade. Pensamos e sentimos de tal forma que adotamos um modo de ver em que se torna impossível não acreditar que aquilo é real e absoluto. Buscamos e achamos o que queremos. Os estados de espírito são responsáveis pela forma como o mundo nos parece ser. Se estivermos psicologicamente felizes, o mundo nos parecerá um mar de rosas. Por outro lado, se estivermos deprimidos, o mesmo mundo nos parecerá distanciado de nós. Construímos nosso mundo interior e ele será nossa caixa de mágicas de onde tudo poderá sair. Acharemos aquilo que construirmos com nossas idéias e emoções.

Como sempre o Cristo falava para o Espírito, através do Self, visando atingir a essência mais íntima do ser humano. Suas palavras têm um sentido espiritual e agem qual bisturi, rasgando a superficialidade da personalidade, penetrando a alma imortal.

Buscai e achareis nos alerta para a capacidade que temos de mobilizar a energia psíquica a favor do Espírito. Essa energia não é física, mas psíquica e está a serviço do processo de aperfeiçoamento do Espírito. Ela se apresenta como: desejo, motivação, determinação, persistência, força de vontade, entusiasmo, etc. Ela não se perde nem se ganha, simplesmente a utilizamos ou não.

O alcance da frase está além da vontade imediata e da busca direta. Trata-se de uma mensagem que nos deve levar ao longo do tempo que dura uma ou várias encarnações. Encontramos, em última análise, aquilo que sempre buscamos, sem perceber que fomos construindo, ao longo das encarnações, uma forma de viver de acordo com nossos desejos inconscientes.

Nosso modo de pensar e sentir, são determinantes para o resultado do que achamos, independente do que conscientemente buscamos. Muitas vezes não achamos o que buscamos pela não percepção de que o psiquismo está configurando algo diferente do desejo do ego. Buscai e achareis não deve ser aplicado ao ego como senhor do processo, mas sim ao Self, centro de comando da Vida psíquica.

A persistência e a força de vontade são importantes fatores de cura, pois mobilizam a energia psíquica em favor do processo de desenvolvimento do Espírito. Buscar algo é movimentar-se, saindo da apatia e do imobilismo doentio. Quem deseja curar-se deve buscar a própria cura, a do corpo e, principalmente, a da alma. Esta última, implica numa mudança de atitude diante da Vida, considerando-a eterna, e vivendo de forma otimista, esperançosa e positivamente.

A busca interior é tão importante quanto a necessidade da vida social. O buscar se aplica ao autoconhecimento, autodescobrimento, a autotransformação, tanto quanto à necessidade de se realizar em sociedade, de construir e vivenciar processos comuns aos seres humanos. Buscar e achar é causa e efeito, ação e reação. A ação é a busca, isto é, a construção no mundo. A reação é o achar, o encontrar as leis de Deus. Quem vivencia constrói a realidade social e apreende as leis de Deus. Devemos fazer a marcha para fora e para dentro simultaneamente. São faces de uma mesma moeda, inseparáveis. Sua integração é fundamental à evolução do Espírito.

Disse o Cristo: “Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam nem roubam; - porque, onde está o teu tesouro aí estará também o teu coração.”

Os tesouros da Terra são as buscas e investidas do ego que não estão sintonizadas com o desejo do Espírito. São as experiências acumuladas de vidas passadas e da atual encarnação, as quais não são mais úteis ao Espírito. São ‘restos’ que atrasam a evolução. São mágoas não esquecidas e traumas não trabalhados, pertencentes à vida consciente, bem como outros oriundos de outras vidas.

Os tesouros do céu são as experiências enriquecedoras que nos permitem apreender as leis de Deus de forma harmoniosa. Via de regra ocorrem quando desarmamos o espírito e nos dispomos a encarar as coisas da vida como elas são, sem julgamentos preconcebidos ou receios de lidar com suas ocorrências.

Acumular tesouros não é encher-se de informações ou de conhecimento intelectual. Os tesouros são atributos da alma, enraizados na psiquê, de tal forma que passam a ser um padrão de percepção da realidade. Nesse sentido não há esquecimento ou possibilidade de perda. Alicerçar essas percepções é vivenciar as experiências da vida buscando senti-las com amor e com senso de responsabilidade, acreditando-se capaz de reproduzi-las em outro momento, diante de alguém, de tal forma que venha a proporcionar felicidade e paz.

Ao afirmar: “Por isso vos digo: não andeis ansiosos por vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo quanto ao que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que as vestes?” , sem sombras de dúvidas o Cristo está se referindo às preocupações excessivas e exclusivas com o corpo, em detrimento dos cuidados com a alma. Porém, podemos fazer uma análise também psicológica e daí tirar conclusões num sentido mais restrito. Chamou-me a atenção a definição de Vida, comparando-a a algo que é superior ao alimento, da mesma forma que o corpo é superior às vestes. Parece óbvio, porém podemos tomar o corpo como a forma e o Espírito como o conteúdo ou a essência. Preocupamo-nos demasiadamente com a forma das coisas e muito pouco com sua essência. As coisas são como elas são, muito mais do que suas aparências indicam.

Pelas propriedades estruturais da psiquê, temos a tendência a classificar o que vemos e associar a coisas já conhecidas, impossibilitando penetrar, à primeira vista, na essência do que observamos. Assim se dá com certas situações, em que associamos a outras, desta ou de vidas passadas, julgando-as segundo valores superficiais que nos impedem de entrar em contato real com o que experimentamos. As experiências emocionalmente vividas em vidas passadas impregnam a psiquê de clichês que nos  condicionam a responder e entender o mundo de uma forma mais ou menos padronizada, e isto pode ser um grande prejuízo ao Espírito, que poderá permanecer por muito tempo vinculado a uma mesma maneira de ser e viver.

O Cristo quis também dizer que como sentimos e pensamos a Vida é muito mais importante para a nossa evolução do que como materialmente vivemos. Nossas crenças e valores internos, conscientes e inconscientes, são mais importantes do que os desejos do ego.

A mensagem do Cristo também veio em forma poética e cheia de beleza. Todo o Sermão do Monte é um exemplo disso. Ele disse: 

“Observai os pássaros do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros; contudo, vosso Pai
celeste os sustenta. Porventura, não valeis vós muito mais do que as aves? Qual, de vós, por ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado ao curso da sua vida?”

A poesia existente neste trecho do evangelho é de uma beleza inquestionável. Mas o que ele quer dizer além do que está explícito? Talvez se refira, psicologicamente falando, ao afirmar que somos mais do que os pássaros, que somos mais do que imaginamos conscientemente que somos. Não percebemos que a vida que levamos, com as vicissitudes inerentes ao estágio de evolução em que nos encontramos, é muito menor do que efetivamente somos espiritualmente. Isto se estende à psiquê, com suas capacidades espirituais desconhecidas, limitadas pelos condicionantes estabelecidos pelo ego.

Desenvolver-se psiquicamente torna-se possível a partir da percepção dos limites estabelecidos pelo ego, que detém, até então, o comando da vida consciente. Realmente temos limitações em aumentar um centímetro à nossa altura corporal, mas não há limites para a evolução espiritual. Não devemos aumentar os poderes do ego, porém temos de fazê-lo em relação ao Self. O comando da vida psíquica passa pelo Self e pelo ego, cabendo ao Espírito torná-los suficientemente estruturados para atender suas necessidades.

Continuando a falar poeticamente, sem deixar de trazer as verdades eternas e a mensagem diretamente ao Espírito, ele afirmou:

“E por que andais ansiosos quanto ao vestuário? Considerai como crescem os lírios dos campos: eles não trabalham nem fiam; Eu, contudo, vos afirmo que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós outros, homens de pequena fé?”

Vestir-se como os lírios dos campos é fazer resplandecer a beleza divina que existe em cada um de nós. 
O ser humano costuma depreciar-se diante da Vida. Não percebe que somos seres da luz e para a luz fomos criados. Embora não neguemos a existência de sombras em nós, não podemos deixar que elas nos dominem. Somos luz e sombra ao mesmo tempo, mas destinados à luz. Embora nossa fé seja pequena, face aos véus que cobrem as possibilidades intuitivas, encobertas pelos complexos no inconsciente, alcançaremos, um dia, a consciência de que Deus está em nós e nós estamos Nele.

Procurando incutir na psiquê humana a busca da felicidade, bem como diminuir o medo e a consciência culpada, característicos da infância espiritual, ele colocou: 

“Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. Portanto, não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados; basta ao dia o seu próprio mal.”

Buscar o reino de Deus é trabalhar em favor da instalação, ao redor de sua própria vida, de uma sociedade justa, equilibrada e onde vigorem princípios éticos fundamentados no amor. É colocar-se num estado de espírito capaz de entender e assimilar suas leis, em paz e em harmonia. Esse estado de espírito é alcançado pela percepção de si mesmo, acolhendo sua própria personalidade sem culpas e sem medos. Preocupamo-nos demasiadamente com as coisas materiais e muito pouco com as do Espírito. O Cristo vem garantir que as coisas materiais não são tão importantes quando nos ocupamos com as do Espírito. Mais do que isso, ele buscava, ao trazer suas parábolas, preparar o psiquismo do ser humano para que se acostumasse a enxergar a esperança, o amor, a felicidade, de uma forma menos traumática, sofrida e/ou conformada.

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