domingo, 31 de março de 2013

Separatividade - Adenáuer Novaes


“Então respondeu ele: Não tendes lido que o Criador desde o princípio os fêz homem e mulher, e que disse: Por esta causa deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, tornando-se os dois uma só carne? De modo que já não são mais dois, porém uma só carne. Portanto, o que Deus juntou não o separe o homem.” Mateus, 19: 4 a 6.

Durante muito tempo se associou essa frase ao contrato de casamento, considerado indissolúvel até a instituição do divórcio. Pensava-se que, por considerá-lo efetivado por Deus, não poderia ser modificado. Claro que não houve união celebrada por Deus, mas sim pelo próprio ser humano. O ser humano jamais poderia separar algo que fosse por Deus unido, se Este não o quisesse. Muito embora a instituição do casamento represente um avanço e uma contribuição ao progresso social, muitas uniões conjugais se constituíram em prejuízo ao Espírito, por várias encarnações, pelo fato de não poder separar-se de alguém que o maltratava e a quem não tinha o mínimo sentimento que favorecesse a união, gerando ódios e ligações cármicas por várias existências.

Há Espíritos que necessitam da união conjugal e, conseqüentemente, de uma família para refrear certos impulsos prejudiciais ao seu próprio progresso espiritual.

Felizmente o ser humano entendeu que o divórcio não atentava contra a família, mas favorecia a possibilidade de se constituir uma nova, mais harmoniosa e com mais chance de crescimento espiritual para seus membros. O casamento, em certo sentido, reduz a inconsequência de alguns Espíritos afoitos à liberdade sexual sem qualquer limite.

Num sentido psicológico podemos entender a acepção do Cristo como direcionada à vida consciente,  bem como ao modo como a consciência elabora a realidade externa e aquilo que é percebido. A consciência, para perceber essa realidade, compara os objetos e situações externas com modelos internos subjetivamente estruturados. Essa operação, extremamente rápida, faz com que se separe os elementos da natureza, estabelecendo uma dicotomia entre o externo e o interno. A consciência separa, analisa, dilui, dissolve, mas também une, sintetiza, associa, amplia. Muitas vezes ela atua de forma ambígua, porém visando um objetivo: estabelecer uma separação entre o sujeito e o objeto, entre o ego e o mundo. A operação principal da consciência, através do ego, é a sua separação do mundo.

A separatividade da consciência se percebe pelo modo como buscamos, conscientemente, um lugar de destaque no mundo. Esse lugar separado, um degrau acima, é o desejo de compensar a inferioridade inerente ao fato de, além de ser criatura, não conseguir se autojustificar. A unidade no ser humano se encontra no inconsciente, onde tudo se encontra conectado e em forma de imagens ligadas afetivamente. Suas tendências coletivas são fruto da visão una do Espírito. As experiências reencarnatórias não estão separadas no Espírito, pois fazem parte indissolúvel do conhecimento que ele consolidou das leis de Deus.

O ser humano jamais conseguirá separar o que foi consolidado no Espírito, isto é, o que já apreendeu das leis de Deus. Ao Espírito só chega a lei de Deus. As experiências traumáticas, ou mesmo aquelas ditosas, se encontram em camadas superficiais da psiquê, isto é, no inconsciente perispiritual.

Não separar o que Deus juntou é também entender o universo como um todo interligado e conectado consigo mesmo, percebendo-se como doador e receptor nos processos divinos. Isto nos leva a entender que as forças que atuam na natureza conspiram, isto é, se conjugam, a favor daquele que atua em sintonia com os objetivos divinos.

Conectar-se a Deus é trabalhar de acordo com Seus desígnios e com Sua vontade. O difícil é descobrir quais são eles, isto é, quais são os planos de Deus. Essa descoberta será fundamental para o Espírito e marcará sua evolução como o início do processo mais importante de sua marcha ascensional.

Sabemos que não há espaços vazios no universo, e que o nada não existe. Essa certeza lógica nos fará entender que não há interações instantâneas no universo, isto é, não há coisas que tenham começado agora. Tudo já teve um grande começo. Isso não deve nos levar a uma teoria meramente causalista do universo, mas tão somente nos fazer entender a interligação psíquica de todos os processos nele existentes.

Somos o que pensamos, portanto nos conectamos ao mundo externo automaticamente. Nesse sentido,  não há interno ou externo, pois estamos no todo e ele está em nós. O elo que une as coisas indefinidamente é o amor, expressão máxima de sentimento alcançável em nosso estado evolutivo. Enquanto a consciência tenta separar, o Cristo reafirma essa impossibilidade, convidando o ser humano a entender a unidade das coisas. Com a afirmação ele nos mostra que devemos poupar energias nessa constante idéia de separatividade. Ver as coisas, pessoas e eventos como processos interconectados, é não separar o que Deus juntou.

Essa separatividade é conseqüência da estrutura do ego, pois a visão do Espírito é una. Muito embora sua percepção seja de totalidade, ele conta com um elemento cujo modus operandi é oposto a essa sua função. Por que então a natureza o dotaria de uma estrutura que não lhe possibilita perceber a totalidade? Creio que isto está calcado no fato de que o processo de desenvolvimento do Espírito se dá através da integração dos opostos, isto é, da assimilação consciente daquilo que existe em mim, mas não percebo ou nego.

Como exemplo podemos perceber isso na forma dual da manifestação do Espírito, isto é, masculino ou feminino. Como sabemos o Espírito não tem sexo como nós entendemos que ele seja, isto é, talvez nosso conceito de sexo limite a percepção da realidade que envolve a natureza espiritual. Em essência somos masculino e feminino, pois experimentamos os dois tipos de atitudes em várias encarnações. Na consciência separamos o masculino e o feminino, porém ambos estão integrados no inconsciente face às experiências reencarnatórias. Quando envergamos um tipo de corpo, negamos o oposto na consciência, muito embora o busquemos na vida prática. Temo-lo em nós, mas queremos realizá-lo externamente. Separamos o masculino do feminino, unidos em nós, pois isso é uma circunstância divina, contrariando uma tendência natural, que é a compreensão das duas naturezas perfeitamente harmonizadas na psiquê. O Espírito é uno quanto à sexualidade, porém, o ego e a cultura, exigem a separação. Embora deva respeitar os limites do corpo, o ser humano deve entender sua dualidade inconsciente, e, muitas vezes, consciente.

Jung dizia que há uma natureza feminina, que ele chamava de ânima e uma natureza masculina, que ele
chamava de ânimus. Nós temos essas duas estruturas psíquicas em nós a nos exigir conciliação na consciência. Devemos aceitar o convite do Cristo a que não separemos o que Deus juntou. A ânima e o ânimus se formam no inconsciente a partir das repetidas experiências do Espírito no contato com pessoas de cada sexo, bem como pelas encarnações como mulher ou como homem e tendo comportamentos típicos femininos ou masculinos. A cada encarnação internalizamos modelos idealizados de mulher e de homem, os quais passam a governar nosso mundo inconsciente.

Masculino ou feminino são modos de conceber a realidade. Masculino é movimento, exteriorização, ação, objetividade, realização, etc. Feminino é receptividade, doação, abertura, continência, interiorização, etc. São atitudes psíquicas que nos levam ao conhecimento das leis de Deus. Não são gêneros reais, mas estados da psiquê do Espírito.

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