domingo, 26 de janeiro de 2014

O medo sob a ótica espírita

MARCELO HENRIQUE PEREIRA
cellosc@floripa.com.br
Florianópolis, Santa Catarina (Brasil)


O medo sob a ótica espírita


Quem de nós já não sentiu ou sente medo (ou medos)? Medo do escuro; dos mortos; de aranhas ou cobras; de lugares fechados...

De perder; de lutar; de chorar; de perder quem se ama...

De empobrecer; de não ser amado...

De dentista; de sentir dor...

Da violência; de ser vítima de crimes...

Do vestibular; das provas escolares; de novas oportunidades de trabalho ou emprego...

O medo envolve as pessoas e, generalizadamente, as impede de realizar as mínimas obrigações do dia-a-dia. Ou, de outro modo, as perturba de modo tão profundo, que provoca o desânimo, a prostração, a imobilidade, a depressão...

O certo é que, de uma forma ou de outra, temos de conviver com alguns medos. E evitá-los, muitas vezes, ou esquecê-los...

A própria cultura ou formação religiosa nos incute o medo. Veja-se, por exemplo, a crença do pecado original que a Humanidade, segundo tal entendimento, carrega até hoje. Isto resulta, naturalmente, no medo de Deus e das reprimendas ou represálias que Ele pode lançar sobre as pessoas ou civilizações. Por conseqüência, a religião incute o medo do futuro, a vida além-morte, já que, segundo o entendimento dominante, a passagem nos levará a uma de três situações: Céu, Inferno e Purgatório. Como raros são os que se consideram habilitados para o Paraíso, não nos considerando criaturas tão evoluídas ou merecedoras assim, dentre as possibilidades possíveis, ou iremos para o Inferno ou - dos males o menor – para o Purgatório. E teremos de suportar mais sofrimentos. Então, tememos por eles...

Restringindo um pouco mais o alcance do entendimento do medo, podemos analisar os chamados medos dos espíritas, ou os medos decorrentes do contato com a filosofia espírita. São eles:

Medo da vida; da morte; do futuro; dos relacionamentos; dos outros; dos Espíritos; da reencarnação; do destino...

Temos medo da vida, ou seja, do que a vida nos oferece em termos de conjuntura e possibilidades. Na verdade, o medo é de fracassarmos no resgate de erros pretéritos ou da experimentação, por novas provas que poderiam, ambas (provas e expiações), nos garantir o ingresso em melhores condições espirituais futuras.

Medo da morte, porque por mais que possamos ler obras que relatam a vida no Plano Espiritual e os depoimentos daqueles que lá estão, ainda somos céticos em aceitar tais informações como verdades, primeiro porque não temos recordação de nossos “retornos”, segundo porque não nos achamos, muitas vezes, nos mesmos patamares daqueles que nos trazem informações “do lado de lá”.

O medo do futuro acha-se associado à pós-morte, como visto acima, mas também enquadra a extensão dos dias de nossa atual experiência encarnatória, imaginando que haverá, ainda, muitos débitos para serem ajustados e experiências desconhecidas, as quais não temos idéia se conseguiremos ou não administrar e sermos exitosos.

Quanto aos relacionamentos, tendo em vista o nível comum dos seres que habitam este orbe, temos medo de “nos abrirmos” ao outro, com receio de sermos enganados, machucados, prejudicados. Disto resulta a ausência de plenitude, de envolvimento, de vivência dos sentimentos e das sensações que fazem parte da própria vida, ou seja, é impossível saber o “gosto” das coisas e situações sem experimentá-las.

Então, temos medo dos outros, de que eles nos possam causar mal, em qualquer dos ambientes em que nos inserimos: o colega de trabalho ou estudo, o vizinho, o conhecido, o amigo, o parente... Todos, ou quase, nos representam ameaças vivas àquilo que projetamos ou desejamos para nós. Contudo, de igual forma como o anterior, não é possível antever com certeza absoluta e plena “quem” é o outro, “como” ele se comporta ou “por quê” ele age dessa ou daquela maneira. Somente vivenciando é que saberemos se o outro é companheiro ou inimigo, se quer nos ajudar ou prejudicar...

Curiosamente, de todos os medos antes listados, comuns aos espíritas, o mais intrigante é o de Espíritos. Afinal, no cotidiano das instituições espíritas, com seus diversificados trabalhos, o contato e a parceria entre nós e eles, isto é, entre encarnados e desencarnados, é a matéria-prima da atividade espiritista. Como podemos temê-los, se a teoria kardequiana nos explica, detalhadamente, quem são eles, quais suas características e de que modo se processam as relações entre “vivos” e “mortos”? Há espíritas, muitos mesmo, por aí, que se arrepiam ante a perspectiva de travarem qualquer contato com “os Espíritos”, de presenciarem qualquer fenômeno mediúnico. Chegam a ter medo de dormir, de ficar sozinhos, de apagar a luz, na iminência de serem “surpreendidos” por alguém que já está “do outro lado”.

E por que, então, têm eles medo da reencarnação? Porque, pela interpretação espírita, quando não aproveitamos as situações de nossa atual existência e continuamos a perseverar no erro, provavelmente teremos de retornar em condições existenciais mais difíceis, com maiores provas e sujeitos à reparação de outros débitos. Então o ser olha para si, para sua vida, para aquilo que considera quase impossível de realizar ou melhorar, e sente enorme receio de ter que retornar a este “vale de lágrimas”.

Por fim, há o medo do “destino”, como se este existisse, como se, a cada um de nós, estivesse “reservado” isso ou aquilo, desse ou daquele modo. Enxergamos a vida como se ela fosse pré-traçada de modo definitivo (ou quase) e que não pudéssemos, nós, alterar-lhe o curso pré-estabelecido.

Assim sendo, caberia a pergunta: – Por que o Espiritismo destrói o medo em nós?

A resposta possui várias vertentes ou condicionantes que, somados e bem compreendidos, podem nos auxiliar a superar os medos que vivenciamos:

1. Somos Espíritos, logo, somos seres imortais. Não somos aniquilados e a eventual destruição do planeta, pela ação humana, não nos deixará “sem morada”. Daí, Vida e Morte serem etapas da trajetória espiritual a que todos estamos sujeitos;

2. Reencarnamos porque precisamos. Somente a teoria das vidas sucessivas pode explicar as desigualdades entre os Espíritos (encarnados ou desencarnados). É por ela que todos os Espíritos podem experimentar as diversas contingências da evolução (provas, expiações, missões), de modo que, em cada uma das encarnações, o ser poderá viver sob diferentes condições, entre as quais a riqueza, a pobreza, a fartura, a necessidade, a inteligência privilegiada, a limitação dos sentidos, a beleza, a feiúra, entre outros. Por conseqüência, o progresso é sempre ascendente, razão pela qual é acertado dizer que, hoje, somos infinitamente melhores do que já fomos.

3. Não há destino, sorte ou azar. Deus não escolhe (premia ou pune) os indivíduos a seu bel-prazer ou mediante critérios personalísticos e discutíveis. Deus não castiga, nem recompensa. Nós é que recebemos o efeito daquilo que praticamos. Somos, sempre, o resultado de nós mesmos. As lutas que travamos são sempre contra nós mesmos, em relação às nossas imperfeições morais. O resultado, quando exitoso, importa no avanço na escala evolutiva, que representa a vitória sobre nossas limitações e o credenciamento a outras (e melhores) oportunidades.

4. O passado espiritual de cada um, por certo, é composto por erros, limitações, dívidas. Mas a Justiça e a Contabilidade divinas que administram nossas idas e vindas, sob diferentes roupagens, não são baseadas em automatismos ou abordagens cartesianas (do tipo pagar na mesma moeda o mal causado). A dinâmica das Leis Espirituais comporta um mecanismo perene e perfeito de “dar a cada um segundo suas obras”, isto é, de considerar, a cada passo, em cada evento, tanto o que fizemos de errado quanto o que obramos em acerto, o que deixamos de fazer e a responsabilidade, pessoal e intransferível em relação a cada procedimento (ação ou omissão).

5. O presente, a vida física nos direciona à necessidade de agirmos como pessoas encarnadas, vivenciando as experiências do ser material, mas com a atenção às questões de natureza espiritual (tal como asseverou Jesus, “viver no mundo sem ser do mundo”). Ou seja, viver do melhor modo possível, aproveitando os capítulos da vida como meios de aprendizado e busca da felicidade, ainda relativa.

6. O futuro deve ser encarado sob duplo viés: a) a vida no Plano Espiritual, com características bastante similares à vida física, pois continuamos a ser o que somos, com nossas simpatias e antipatias, gostos e pendências, valores e limitações; e, b) o preparo para novas encarnações, nas quais ocorrerá a nossa depuração, até galgarmos os estágios da Escala Espiritual.

A arma para vencer todos os medos (assim como as limitações espirituais) é, sempre, o conhecimento. Conhecimento que deriva da informação acerca das realidades física e espiritual, o primeiro decorrente das pesquisas e experiências científicas e, o segundo, do intercâmbio mediúnico e do desenvolvimento de teses espíritas. O conhecimento, porém, não é só mera teoria. De nada valem as decorebas das questões e máximas espíritas. Isto é somente informação. Esta, para transmudar-se em conhecimento, há que estar aliada à prática, à conduta, que nos qualificará como seres em contínua evolução, superando medos e limitações.

Nenhum comentário:

Postar um comentário