Só tememos o que desconhecemos. O autoconhecimento requer um constante exercício,
no reino do pensamento reflexivo, sobre as sensações externas e internas. Viver uma
vida sem reflexão é como escutar uma música sem melodia.
Aqueles que não conhecem a si mesmos dificilmente terão um bom relacionamento
com os outros. O ser humano deve afastar de sua vida hábitos e crenças que o tornam
inconsciente da própria vida íntima. Só tememos o que desconhecemos. O
autoconhecimento requer um constante exercício, no reino do pensamento reflexivo,
sobre as sensações externas e internas. Viver uma vida sem reflexão é como escutar
uma música sem melodia.
Examinando o Novo Testamento com os olhos da psicologia, chegamos à conclusão de
que Jesus Cristo foi uma criatura extraordinária e fascinante, um psicoterapeuta por
excelência, além de significativamente moderno. As palavras, os atos e a vida do
Mestre possuem, sob muitos aspectos, um significado oculto que é desvendado por
todos aqueles que possuem "olhos de ver e ouvidos de ouvir".
Narra-nos o apóstolo Mateus: "(...) ele dirigiu-se a eles, caminhando sobre o mar. Os
discípulos, porém, vendo que caminhava sobre o mar, ficaram atemorizados e diziam:
É um fantasma! E gritaram de medo. Mas Jesus lhes disse logo: Tende confiança, sou
eu, não tenhais medo. Pedro, interpelando-o, disse: Senhor, se és tu, manda que eu vá
ao teu encontro sobre as águas. E Jesus respondeu: Vem." 1
A água é a imagem da dinâmica da vida, das energias e dos conteúdos desconhecidos
da alma, das motivações secretas e ignoradas. Ela é o simbolismo da "sombra"2
, da
vida inconsciente, ou "além-mar" de nossa existência de Espíritos imortais. A água
representa tudo aquilo que está contido impercepti-velmente na alma, e que o homem
se esforça para trazer à superfície porque pressente que poderá alimentá-lo e sustentá-
lo seguramente.
O Mestre pairava sobre as águas, ou seja, dominava o lado escuro da natureza
humana. Ele entendia o medo e a insegurança em que viviam os homens - efeitos da
sombra pessoal e coletiva - e os motivos da desunião ou segregação da maioria das
pessoas e dos grupos sociais.
Renegamos ou não percebemos de forma lúcida essa área oculta e profundamente
influente que existe em nossa intimidade. Por essa razão, projetamos nossa sombra "lá
fora", nas qualidades ou nas atitudes desagradáveis dos outros. Quando sentimos
grande admiração por uma criatura, ou quando reagimos intensamente contra alguém,
isso talvez seja a manifestação de nossa sombra.
A negação da sombra faz com que abominemos as deficiências alheias, evitando vê-las
em nós. Também atribuímos aos outros nossos potenciais não desenvolvidos, fazendo
deles heróis ou gurus - nutrimos enigmáticas alianças ou paixões desmedidas.
A sombra surge sempre em nosso cotidiano; por exemplo, quando lançamos nossas
emoções ocultas, nossa fragilidade, nossa insegurança e nossos medos em algo ou
alguém.
"Diabo" - do grego diábolos e do latim diabolus - significa literalmente "o que separa", "o
que desune". A "separação" é que nos impede de ver a unidade que há em nós e a
unidade de todos nós, porquanto dificulta a percepção dos diferentes aspectos
evolutivos em nossa intimidade. Ao aceitarmos nossos "opostos" (autoritarismosubserviência,
bajulação-desprezo, futilidade-desleixo, artimanha-credulidade,
possessividade-insensibilidade), aprendemos o ponto de equilíbrio das polaridades - é
admitindo os lados que chegamos ao meio-termo.
Ao aceitarmos a "unidade" ou o "caminho do meio", começamos a dar fim à nossa
rivalidade com nós mesmos e com os outros. Ficamos a favor de nossa realidade, ao
invés de hostilizá-la.
Nossa visão de mundo ainda depende dos lados positivo e negativo; da nossa
ambivalência de seres humanos em evolução; em outras palavras, da coexistência de
atitudes, tendências e sentimentos opostos inerentes à condição humana.
A qualidade mediadora para unir os opostos e que nos leva ao equilíbrio se chama
amor. O amor une as pessoas e, ao mesmo tempo, as interliga com as outras criaturas.
Não podemos projetar nossas atitudes rudes, sombrias, insuportáveis e complicadas
sobre entidades exteriores, como os "demônios". A característica básica daqueles que
acreditam em seres criados especificamente para o mal é buscar constantemente um
"bode expiatório" para tudo na vida. As criaturas que assim crêem precisam, no fundo,
negar seu lado fraco ou impulsos inaceitáveis, culpando o mundo pelo desequilíbrio
que elas não vêem em si mesmas. São consideradas caçadoras crônicas de bodes
expiatórios e quase sempre escapam de suas responsabilidades, atos e conseqüências
com uma projeção do tipo: "O diabo ou os maus espíritos me levaram a fazer ou falar
isso."
O Espiritismo ensina que o desequilíbrio reside na intimidade de cada um de nós.
Quando temos a coragem de ouvir os "demônios" interiores - que simbolizam alguns
aspectos de nossa sombra, isto é, aquelas tendências em nós que mais tememos e das
quais fugimos -, atingimos com mais facilidade a auto-melhoria. "Se houvesse demônios,
eles seriam obra de Deus, e Deus seria justo e bom se houvesse criado seres devotados
eternamente ao mal e infelizes? Se há demônios, eles habitam em teu mundo inferior e em
outros semelhantes. São esses homens hipócritas que fazem de um Deus justo um Deus mau e
vingativo (...)"3
.
"(...) ele dirigiu-se a eles, caminhando sobre o mar. Os discípulos, porém, vendo que
caminhava sobre o mar, ficaram atemorizados (...)." O Mestre de Nazaré nos convida a
andar sobre as águas, a não sentir medo de olhar para dentro de nós mesmos e de
sondar as nossas profundezas. A sombra parece ser um "espectro horrível" que nos
habita o íntimo; no entanto, ao trazermos nosso lado escuro à luz da consciência,
veremos que se trata apenas de nós mesmos, "viajores do Universo", carentes de
aprendizagem e conhecimento acerca da Inteligência Divina que se manifesta dentro e
fora de nós.
7 Mateus, 14:25 a 29
2Nota da Editora Ver a definição de sombra no capítulo "Afetividade" (pág.57).
3 Questão 131 Há demônios, no sentido que se dá a esta palavra?
"Se houvesse demônios, eles seriam obra de Deus, e Deus seria justo e bom se houvesse criado seres devotados
eternamente ao mal e infelizes? Se há demônios, eles habitam em teu mundo inferior e em outros semelhantes.
São esses homens hipócritas que fazem de um Deus justo um Deus mau e vingativo, e crêem lhe serem
agradáveis pelas abominações que cometem em seu nome. "
Nota - A palavra demônio não implica a idéia de Espírito mau senão na sua significação moderna, porque a
palavra grega daimôn, da qual se origina, significa gênio, inteligência e se emprega para designar os seres
incorpóreos, bons ou maus, sem distinção. (...)
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