O fenômeno da sincronicidade, segundo Jung
Quem faz o azar?
"De repente, começa a chover em sua horta. A vida se torna uma inesperada e deliciosa cadeia de coincidências felizes. Ou então, pelo contrário, uma incômoda sequência de azares: você bate o carro, tromba nos amigos, se arrebenta no trabalho. Má vontade do destino? Dentro de uma visão Junguiana de coincidência, há uma forma de viver que dá sorte. E outra que atrai os desastres..." (*Por Doucy Douek)
Coincidência ou fenômeno?
A vida parece que está cheia de coincidências. Você está pensando numa pessoa e, de repente ela aparece. Está falando do vizinho e justo ele telefona. Ou então encontra, por um tremendo acaso aquela pessoa que daí para a frente vai ser fundamental estar em sua vida. Essas estranhas coincidências às vezes se revelam positivas e você considera-se num período de sorte. E às vezes parece que tudo anda contra, é uma desgraça atrás da outra - um tempo de azar. E tanto a sorte como o azar são logo atribuídos ao destino, amigo ou cruel, como se entre o seu estado interior e os acontecimentos externos, bons ou maus, não pudesse haver nenhuma relação.
Ao estudar as coincidências, Jung chegou a conclusão de que elas não são tão casuais como parecem, e deu ao fenômeno o nome de sincronicidade. A principal característica da sincronicidade seria uma significativa relação entre uma vivência interior e um evento exterior: penso numa pessoa e ela telefona. Certa vez, uma paciente de Jung estava contando um sonho em que aparecia um escaravelho, justo naquele momento um escaravelho começou a esvoaçar contra a vidraça.
E daí para a frente começou a pesquisar em profundidade o fenômeno da coincidência - ou sincronicidade.
Entendendo a sincronicidade
Para ele existe a sincronicidade cada vez que um fenômeno acontece dentro de uma pessoa e fora dela ao mesmo tempo e sem nenhuma ligação lógica aparente.
Na sincronicidade portanto, o interior e o exterior como que se combinam para formar um acontecimento. Aliás, essa intrigante troca de energias entre o mundo subjetivo e o mundo objetivo é confirmada pela física moderna, melhor dizendo pelas descobertas da física quântica. Hoje, os físicos sabem da interferência do observador na observação do fenômeno com o qual está trabalhando, até então no modelo mais antigo de ciência, acreditava-se em uma observação totalmente objetiva sem nenhuma interferência do observador.
Sabe-se hoje que o tomar consciência de algo seria assim , um poderoso ato criativo no qual a realidade objetiva e a subjetiva se combinam para formar um evento. Dentro dessa visão, não seria de todo infundada a crença popular no mau olhado capaz de secar flores e afetar o crescimento das plantas.
O fato é que uma intensa energia parece existir entre nosso psiquismo e o mundo à nossa volta. Do ponto de vista fenomenológico, nenhum acontecimento pode ser isolado do contínuo de energia que abrange toda a realidade.
Qualquer evento, em qualquer nível, em qualquer lugar, é influenciado e influencia o mais. O tempo inteiro você está vivendo energias ou dinamismo que de alguma forma se exteriorizam e mobilizam outras. Estamos todos como que dentro do mesmo oceano energético e trocas de energia são intrínsecas à própria vida.
A experiência clínica nos mostra, por exemplo, que quem se encontra num processo de autodestruição sempre acha uma maneira de exteriorizar isso. Batendo o carro, por exemplo, criando uma doença. O próprio desequilíbrio energético entre duas pessoas termina se manifestando.
À luz da teoria da sincronicidade, fica sempre muito relativo falar em mera coincidência, puro acaso. Correto seria dizer que de alguma maneira produzimos energias tanto para nossas melhores coincidências como para nossas piores ações. E aquilo que chamamos de sorte ou azar está mais ligado ao nosso estado interior do que a um destino caprichoso sem rosto.
A concepção Junguiana de sincronicidade é de que, mediante uma silenciosa e misteriosa troca de energias, nosso estado interior está ativamente ligado a objetos e acontecimentos à nossa volta. Mas é preciso entender bem o que Jung considera sincronicidade. Não se trata por exemplo, de relações de causa e efeito entre o mundo subjetivo e o objetivo.
As relações de causa e efeito apenas produzem o que poderíamos chamar de fenômenos normais. Como quando alguém diz: eu estava falando da alta do dólar e de repente o preço dos importados tinha aumentado. Ora, num tempo de alta flutuação cambial, é perfeitamente lógico que um dos efeitos seja o aumento dos importados.
Escrever para um amigo e receber a resposta é muito diferente de apenas acordar pensando muito nele e à tarde receber outra carta. A sincronicidade é sempre uma coincidência acausal.
Ela é o encontro de duas cadeias paralelas de causa e efeito. O acontecimento exterior vem sempre reforçar, ilustrar. ampliar uma busca interna marcante. No caso da paciente de Jung, o escaravelho na janela veio reforçar o desejo que aquela mulher tinha de entender o significado lógico e racional da presença do inseto em seu sonho.
Jung viu neste caso um fenômeno de sincronicidade - fato interior gerando um fato exterior.
Tanto que abriu a janela, pegou o inseto e disse: eis o seu escaravelho. Ele era o símbolo vivo de que aquela mulher devia despertar para vivências de dimensões da realidade que estão fora da lógica, do tempo e do espaço. Longe de ser uma pura relação de causa e efeito, tipo aumento do dólar aumento dos importados, a sincronicidade significa uma vivência ilógica, muda, secreta, pessoal.
Muitas vezes decisiva, mas difícil de ser percebida em sua totalidade no momento que acontece. Só de um outro ponto de vista pode ser integralmente compreendida, assimilada, contada. As vezes é preciso até viver muitos anos para, olhando o passado, dizer: como aquele fato, aquele dia foi importante, a vida inteira parece que só me preparei para ele.
Como aprender a ter sorte?
Preparar-se para sincronicidades felizes. Aprender a ter sorte. Será isso possível? Como mobilizar energia para que a grande rede da vida se teça a nosso favor, para que o mundo à nossa volta não se torne uma ameaçadora teia de azares? Aqui não há receitas. Mas eu diria que certa sincronicidade interna, certo "estar bem consigo mesmo" tende a produzir coincidências felizes.
Pessoa sincrônica é aquela que tem suas necessidades internas alimentadas pela realidade exterior. Ela se conhece bem, sabe o que quer, caminha na direção do que precisa e assim cedo ou tarde, a vida se move a seu favor. Quem pelo contrário é infiel às suas verdades internas, finge em relação a si próprio, não sabe o que quer, se arrisca a entrar neste campo de energias contraditórias, negativas, a que costumamos chamar de azar. Veja só a figura do azarado:
O sujeito que bate o carro, briga com a namorada, com o amigo, chega em casa encontra duas multas e um aviso do cartório de protestos. Tudo o leva a concluir: é, o mundo está contra mim.
Ou a má fase não estará refletindo sua dissincronicidade, uma desarmonia interna, um não saber o que se quer.
Ouvir bem seus desejos é fundamental para uma fiel relação de energias com a vida.
O que a gente de fato quer, nem sempre corresponde àquilo que a gente pensa que quer.
*Doucy Douek é Psicóloga clínica, há mais de 25 anos, com especialização em Psicoterapia pela PUC-SP. Facilitadora Certificada em Respiração Holotrópica pelo Grof Transpersonal Training. Pioneira na introdução desta abordagem no Brasil.
FRATERLUZ
Fraternidade Espírita Luz do Cristianismo
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