A segunda metade do Século 19 transcorre numa Eurá¬sia sacudida pelas contínuas calamidades guerreiras, que se sucedem, truanescas, dizimando vidas e povos.
As admiráveis conquistas da Ciência que se apóia na Tec¬nologia, não logram harmonizar o homem belicoso e insatis¬feito, que se deixa dominar pela vaga do materialismo-utili¬tarista, que o transforma num amontoado orgânico que pen¬sa, a caminho de aniquilamento no túmulo.
Possuir, dominar e gozar por um momento, são a meta a que se atira, desarvorado.
Mal se encerra a guerra da Criméia, em 1856, e já se in¬quietam os exércitos para a hecatombe franco-prussiana, cu¬jos efeitos estouram em 1914, envolvendo o imenso conti¬nente na loucura selvagem que ameaça de consumição a tudo e a todos.
O Armistício, assinado em nome da paz, fomentou o ex¬plodir da Segunda Guerra Mundial, que sacudiu o Orbe em seus quadrantes.
Somando-se efeitos a novas causas, surge a Guerra Fria, que se expande pelo sudeste asiático em contínuos conflitos lamentáveis, em nome de ideologias alienígenas, disfarçadas de interesses nacionais, nos quais, os armamentos superados são utilizados, abrindo espaços nos depósitos para outros mais sofisticados e destrutivos...
Abrem-se chagas purulentas que aturdem o pensamento, dores inomináveis rasgam os sentimentos asselvajando os indivíduos.
O medo e o cinismo dão-se as mãos em conciliábulo ir¬reconciliável.
A Guerra dos seis dias, entre árabes e judeus, abre sulcos profundos na economia mundial, erguendo o deus petróleo a uma condição jamais esperada.
Os holocaustos sucedem-se.
Os crimes hediondos em nome da liberdade se acumulam e os tribunais de justiça os apóiam.
O homem é reduzido à ínfima condição no “apartheid”, nas lutas de classes, na ingestão e uso de alcoólicos e drogas alucinógenas como abismo de fuga para a loucura e o suici¬dio.
Movimentos filosóficos absurdos arregimentam as men¬tes jovens e desiludidas em nome do Nadaísmo, do Existen¬cialismo, do Hippieísmo e de comportamentos extravagantes mais recentes, mais agressivos, mais primários, mais violen¬tos.
O homem moderno estertora, enquanto viaja em naves superconfortáveis fora da atmosfera e dentro dela, vencendo as distâncias, interpretando os desafios e enigmas cósmicos.
A sonda investigadora penetra o âmago da vida micros¬cópica e abre todo um universo para informações e esclareci¬mentos salvadores.
Há esperança para terríveis enfermidades que destruíram gerações, enquanto surgem novas doenças totalmente pertur¬badoras.
A perplexidade domina as paisagens humanas.
A gritante miséria econômica e o agressivo abandono so¬cial fazem das cidades hodiernas o palco para o crime, no qual a criatura vale o que conduz, perdendo os bens materiais e a vida em circunstâncias inimagináveis.
Há uma psicosfera de temor asfixiante enquanto emerge do imo do homem a indiferença pela ordem, pelos valores éticos, pela existência corporal.
Desumaniza-se o indivíduo, entregando-se ao pavor, ou gerando-o, ou indiferente a ele.
Os distúrbios de comportamento aumentam e o despauté¬rio desgoverna.
Uma imediata, urgente reação emocional, cultural, religi¬osa, psicológica, surge, e o homem voltará a identificar-se consigo mesmo.
A sua identidade cósmica é o primeiro passo a dar, abrin¬do-se ao amor, que gera confiança, que arranca da negação e o irisa de luz, de beleza, de esperança.
A grande noite que constringe é, também, o início da al¬vorada que surge.
Neste homem atribulado dos nossos dias, a Divindade deposita a confiança em favor de uma renovação para um mundo melhor e uma sociedade mais feliz.
Buscar os valores que lhe dormem soterrados no íntimo é a razão de sua existência corporal, no momento.
Encontrar-se com a vida, enfrentá-la e triunfar, eis o seu fanal.
Medo
Decorrente dos referidos fatores sociológicos, das pres¬sões psicológicas, dos impositivos econômicos, o medo as¬salta o homem, empurrando-o para a violência irracional ou amargurando-o em profundos abismos de depressão.
Num contexto social injusto, a insegurança engendra muitos mecanismos de evasão da realidade, que dilaceram o comportamento humano, anulando, por fim, as aspirações de beleza, de idealismo, de afetividade da criatura.
Encarcerando-se, cada vez mais, nos receios just ificáveis do relacionamento instável com as demais pessoas, surgem as ilhas individuais e grupais para onde fogem os indivíduos, na expectativa de equilibrarem-se, sobrevivendo ao tumulto e à agressividade, assumindo, sem darem-se conta, um com¬portamento alienado, que termina por apresentar-se igualmen¬te patológico.
As precauções para resguardar-se, poupar a família aos dissabores dos delinquentes, mantendo os haveres em luga¬res quase inexpugnáveis, fazem o homem emparedar-se no lar ou aglomerar-se em clubes com pessoal selecionado, per¬dendo a identidade em relação a si mesmo, ao seu próximo e consumindo-se em conflitos individualistas, a caminho dos desequilíbrios de grave porte.
Os valores da nossa sociedade encontram-se em xeque, porque são transitórios.
Há uma momentânea alteração de conteúdo, com a con¬seqüente perda de significado.
A nova geração perdeu a confiança nas afirmações do passado e deseja viver novas experiências ao preço da aluci¬nação, como forma escapista de superar as pressões que so¬fre, impondo diferentes experiências.
No âmago das suas violações e protestos, do vilipêndio aos conceitos anteriores vige o medo que atormenta e sub¬mete às suas sombras espessas.
A quantidade expressiva de atemorizados trabalha a qua¬lidade do receio de cada um, que cresce assustadoramente, comprimindo a personalidade, até que esta se libere em des¬regramento agressivo, como forma de escapar à constrição.
Quem, porém, não consiga seguir a correnteza da nova ordem, fica afogado no rio volumoso, perde o respeito por si mesmo, aliena-se e sucumbe.
Na luta furiosa, as festas ruidosas, as extravagâncias de conduta, os desperdícios de moedas e o exibicionismo com que algumas pessoas pensam vencer os medos íntimos, ape¬nas se transformam em lâminas baças de vidro pelas quais observam a vida sempre distorcida, face à óptica incorreta que se permitem. São atitudes patológicas decorrentes da fra¬gilidade emocional para enfrentar os desafios externos e in¬ternos.
A consumação da sociedade moderna é a história da desí¬dia do homem em si mesmo, enlanguescido pelos excessos ou esfogueado pelos desejos absurdos.
Adaptando-se às sombras dominadoras da insensatez, neglicencia o sentido ético gerador da paz.
A anarquia então impera, numa volúpia destrutiva, ten¬tando apagar as memórias do ontem, enquanto implanta a tirania do desconcerto.
Os seus vultos expressivos são imaturos e alucinados, em cuja rebelião pairam o oportunismo e a avidez.
Procedentes dos guetos morais, querem reverter a ordem que os apavora, revolucionando com atrevimento, face ao insólito, o comportamento vigente.
Os antigos ídolos, que condenaram a década de 20 e 30 como a da “geração perdida”, produziram a atual “era da in¬segurança”, na qual malograram as profecias exageradamen¬te otimistas dos apaniguados do prazer em exaustão, fabri¬cando os super-homens da mídia que, em análise última, são mais frágeis do que os seus adoradores, pois que não passam de heróis da frustração.
Guindados às posições de liderança, descambaram, esses novos condutores, em lamentáveis desditas, consumidos pe¬las drogas, vencidos pelas enfermidades ainda não controla¬das, pelos suicídios discretos ou espetaculares.
A alucinação generalizada certamente aumenta o medo nos temperamentos frágeis, nas constituições emocionais de pouca resistência, de começo, no indivíduo, depois, na soci¬edade.
Esta é uma sociedade amedrontada.
As gerações anteriores também cultivaram os seus medos de origem atávica e de receios ocasionais.
O excesso de tecnicismo com a correspondente ausência de solidariedade humana produziram a avalanche dos recei¬os.
A superpopulação tomando os espaços e a tecnologia re¬duzindo as distâncias arrebataram a fictícia segurança indivi¬dual, que os grupos passaram a controlar, e as conseqüências da insânia que cresce são imprevistas.
Urge uma revisão de conceitos, uma mudança de condu¬ta, um reestudo da coragem para a imediata aplicação no or¬ganismo social e individual necrosado.
Todavia, é no cerne do ser — o Espírito — que se encon¬tram as causas matrizes desse inimigo rude da vida, que é o medo.
Os fenômenos fóbicos procedem das experiências passa¬das — reencarnações fracassadas —, nas quais a culpa não foi liberada, face ao crime haver permanecido oculto, ou dissi¬mulado, ou não justiçado, transferindo-se a consciência fal¬tosa para posterior regularização.
Ocorrências de grande impacto negativo, pavores, urdi-duras perversas, homicídios programados com requintes de crueldade, traições infames sob disfarces de sorrisos produ¬ziram a atual consciência de culpa, de que padecem muitos atemorizados de hoje, no inter-relacionamento pessoal.
Outrossim, catalépticos sepultados vivos, que desperta¬ram na tumba e vieram a falecer depois, por falta de oxigê¬nio, reencarnam-se vitimados pelas profundas claustrofobi¬as, vivendo em precárias condições de sanidade mental.
O medo é fator dissolvente na organização psíquica do homem, predispondo-o, por somatização, a enfermidades di¬versas que aguardam correta diagnose e específica terapêuti¬ca.
À medida que a consciência se expande e o indivíduo se abriga na fé religiosa racional, na certeza da sua imortalida¬de, ele se liberta, se agiganta, recupera a identidade e huma¬niza-se definitivamente, vencendo o medo e os seus sequa¬zes, sejam de ontem ou de agora.
5
Solidão
Espectro cruel que se origina nas paisagens do medo, a solidão é, na atualidade, um dos mais graves problemas que desafiam a cultura e o homem.
A necessidade de relacionamento humano, como meca¬nismo de afirmação pessoal, tem gerado vários distúrbios de comportamento, nas pessoas tímidas, nos indivíduos sensí¬veis e em todos quantos enfrentam problemas para um inter-câmbio de idéias, uma abertura emocional, uma convivência saudável.
Enxameiam, por isso mesmo, na sociedade, os solitários por livre opção e aqueloutros que se consideram marginalizados ou são deixados à distância pelas conveniências dos grupos.
A sociedade competitiva dispõe de pouco tempo para a cordialidade desinteressada, para deter-se em labores a bene¬fício de outrem.
O atropelamento pela oportunidade do triunfo impede que o indivíduo, como unidade essencial do grupo, receba consi¬deração e respeito ou conceda ao próximo este apoio que gostaria de fruir.
A mídia exalta os triunfadores de agora, fazendo o pane¬gírico dos grupos vitoriosos e esquecendo com facilidade os heróis de ontem, ao mesmo tempo que sepulta os valores do idealismo, sob a retumbante cobertura da insensatez e do oportunismo.
O homem, no entanto, sem ideal, mumifica-se. O ideal é-lhe de vital importância, como o ar que respira.
O sucesso social não exige, necessariamente, os valores intelecto-morais, nem o vitalismo das idéias superiores, an¬tes cobra os louros das circunstâncias favoráveis e se apóia na bem urdida promoção de mercado, para vender imagens e ilusões breves, continuamente substituídas, graças à rapidez com que devora as suas estrelas.
Quem, portanto, não se vê projetado no caleidoscópio mágico do mundo fantástico, considera-se fracassado e recua para a solidão, em atitude de fuga de uma realidade mentiro¬sa, trabalhada em estúdios artificiais.
Parece muito importante, no comportamento social, rece¬ber e ser recebido, como forma de triunfo, e o medo de não ser lembrado nas rodas bem sucedidas, leva o homem a esta¬dos de amarga solidão, de desprezo por si mesmo.
O homem faz questão de ser visto, de estar cercado de bulha, de sorrisos embora sem profundidade afetiva, sem o calor sincero das amizades, nessas áreas, sempre superficiais e interesseiras. O medo de ser deixado em plano secundário, de não ter para onde ir, com quem conversar, significaria ser desconsiderado, atirado à solidão.
Há uma terrível preocupação para ser visto, fotografado, comentando, vendendo saúde, felicidade, mesmo que fictí¬ci a.
A conquista desse triunfo e a falta dele produzem soli¬dão.
O irreal, que esconde o caráter legítimo e as lídimas aspi¬rações do ser, conduz à psiconeurose de autodestruição.
A ausência do aplauso amargura, face ao conceito falso em torno do que se considera, habitualmente como triunfo.
Há terrível ânsia para ser-se amado, não para conquistar o amor e amar, porém para ser objeto de prazer, mascarado de afetividade. Dessa forma, no entanto, a pessoa se desama, não se torna amável nem amada realmente.
Campeia, assim, o “medo da solidão”, numa demonstra¬ção caótica de instabilidade emocional do homem, que pare¬ce haver perdido o rumo, o equilíbrio.
O silêncio, o isolamento espontâneo são muito saudáveis para o indivíduo, podendo permitir-lhe reflexão, estudo, auto-aprimoramento, revisão de conceitos perante a vida e a paz interior.
O sucesso, decantado como forma de felicidade, é, tal¬vez, um dos maiores responsáveis pela solidão profunda.
Os campeões de bilheteria nos shows, nas rádios, televi¬sões e cinemas, os astros invejados, os reis dos esportes, dos negócios cercam-se de fanáticos e apaixonados, sem que se vejam livres da solidão.
Suicídios espetaculares, quedas escabrosas nos porões dos vícios e dos tóxicos comprovam quanto eles são tristes e so¬litários. Eles sabem que o amor, com que os cercam, traz, apenas, apelos de promoção pessoal dos mesmos que os en¬volvem, e receiam os novos competidores que lhes ameaçam os tronos, impondo-lhes terríveis ansiedades e inseguranças, que procuram esconder no álcool, nos estimulantes e nos de¬rivativos que os mantêm sorridentes, quando gostariam de chorar, quão inatingidos, quanto se sentem fracos e huma¬nos.
A neurose da solidão é doença contemporânea, que ame¬aça o homem distraído pela conquista dos valores de peque¬na monta, porque transitórios.
Resolvendo-se por afeiçoar-se aos ideais de engrandeci¬mento humano, por contribuir com a hora vazia em favor dos enfermos e idosos, das crianças em abandono e dos ani¬mais, sua vida adquiriria cor e utilidade, enriquecendo-se de um companheirismo digno, em cujo interesse alargar-se-ia a esfera dos objetivos que motivam as experiências vivenciais e inoculam coragem para enfrentar-se, aceitando os desafios naturais.
O homem solitário, todo aquele que se diz em solidão, exceto nos casos patológicos, é alguém que se receia encon¬trar, que evita descobrir-se, conhecer-se, assim ocultando a sua identidade na aparência de infeliz, de incompreendido e abandonado.
A velha conceituação de que todo aquele que tem amigos não passa necessidades, constitui uma forma desonesta de estimar, ocultando o utilitarismo sub-reptício, quando o pra¬zer da afeição em si mesma deve ser a meta a alcançar-se no inter-relacionamento humano, com vista à satisfação de amar.
O medo da solidão, portanto, deve ceder lugar, à confian¬ça nos próprios valores, mesmo que de pequenos conteúdos, porém significativos para quem os possui.
Jesus, o Psicoterapeuta Excelente, ao sugerir o “amor ao próximo como a si mesmo” após o “amor a Deus” como a mais importante conquista do homem, conclama-o a amar-se, a valorizar-se, a conhecer-se de modo a plenificar-se com o que é e tem, multiplicando esses recursos em implementos de vida eterna, em saudável companheirismo, sem a preocu¬pação de receber resposta equivalente.
O homem solidário, jamais se encontra solitário.
O egoísta, em contrapartida, nunca está solícito, por isto, sempre atormentado.
Possívelmente, o homem que caminha a sós se encontre mais sem solidão, do que outros que, no tumulto, inseguros, estão cercados, mimados, padecendo disputas, todavia sem paz nem fé interior.
A fé no futuro, a luta por conseguir a paz íntima — eis os recursos mais valiosos para vencer-se a solidão, saindo do arcabouço egoísta e ambicioso para a realização edificante onde quer que se esteja.
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