Para Kardec o Pai Nosso é modelo de prece
ELIANA THOMÉ
Há muito temos notado um pequeno impasse junto aos trabalhadores espíritas, quanto à questão de como se deve abrir os trabalhos evangélicos e mediúnicos na casa espírita. A questão que se impõe é: a prece deve ser improvisada ou deve-se realizar o Pai Nosso? A questão é interessante, pois ela tem perturbado a muitos sem uma conclusão definitiva nos pontos de vista apresentados.
A corrente que defende o direito da livre expressão acredita na prece improvisada, segundo a emoção do momento e de quem a realiza. Outra corrente busca em Jesus o seu aval, já que ele nos deixou como parâmetro e modelo de oração o “Pai Nosso”. (Mateus, 6:9-13 e Lucas, 11:1-4).
Sem querer impor qualquer norma de conduta pessoal, temos por hábito, na qualidade de espírita, consultar os livros da Codificação para melhor entender a vida e as nossas atividades doutrinárias, como é o caso aqui. Não discutiremos a eficácia da prece, já comprovada quando idealizamos Deus dentro de nós através da fé. A busca parte de uma invocação que nos coloca em relação mental com o mais alto (ou com aquele a quem nos dirigimos), partindo da força interior de cada um, traduzida na energia do pensamento e no poder da vontade, conforme nos ensina o Evangelho.
O que nos interessa verdadeiramente é a importante observação do Codificador no que se refere à oração dominical, como é chamado o Pai Nosso. Ressalta ele que os Espíritos recomendaram que, encabeçando a coletânea de preces do capítulo, pusesse a Oração dominical, não somente como prece, mas também como símbolo, pois, explica Kardec, de todas as preces, é a que colocam em primeiro lugar, seja porque procede do próprio Jesus, seja porque pode suprir a todas, conforme os pensamentos que se lhe conjuguem ("O Evangelho Segundo o Espiritismo", capítulo 28, item 2).
Para Kardec a prece dominical é o mais perfeito modelo de concisão, verdadeira obra-prima de sublimidade na simplicidade. Ele explica: Com efeito, sob a mais singela forma, ela resume todos os deveres do homem para com Deus, para consigo mesmo e para com o próximo. Encerra uma profissão de fé, um ato de adoração e de submissão; o pedido das coisas necessárias à vida e o princípio da caridade. Quem a diga, em intenção de alguém, pede para este o que pediria para si.”
Interessante o embasamento doutrinário de Kardec sobre o Pai Nosso: de todas as preces é a que os Espíritos colocam em primeiro lugar, é considerada como um símbolo, procede do próprio Jesus, pode suprir a todas existentes (isso implica também até as que são improvisadas), é o mais perfeito modelo de concisão, verdadeira obra-prima de sublimidade na simplicidade, destaca-se das demais pela forma singela, resume todos os deveres do homem para com Deus, para consigo mesmo e para com o próximo, encerra uma profissão de fé, um ato de adoração e de submissão, contém o pedido das coisas necessárias à vida e o princípio da caridade.
"O Evangelho Segundo o Espiritismo" é claro quando afirma no capítulo 28 (item 1) que os Espíritos não prescrevem nenhuma fórmula absoluta de preces. As que constam na coletânea do referido capítulo foram colocadas para orientar nossas idéias, assim como chamar a atenção do leitor e do estudioso sobre certos princípios da doutrina espírita, e acrescentaríamos, particularmente no trato com a morte que vemos como a libertação da alma e não como o fim de tudo.
Apesar da grandeza das justificativas em relação ao Pai Nosso, muitos acreditam que a oração torna-se maquinal uma vez proferida, já que é de conhecimento de todos.
Pois é justamente aí o ponto extraordinário dessa oração: poder conjugar a todos num mesmo pensamento e numa mesma vontade. A maneira de orar na verdade vai da fé de cada um, que pode estar colocando ou não o seu coração nas palavras que profere.
O importante é que ricos ou pobres, o Pai Nosso é a prece da humanidade inteira, sem exceção. Não há quem não a conheça ou não a tenha realizado em algum momento de sua vida. Prova disso encontramos em "O Evangelho Segundo o Espiritismo", capítulo 27, item 15, que diz: a prece em comum tem ação mais poderosa, quando todos os que oram se associam de coração a um mesmo pensamento e colimam o mesmo objetivo. Imaginemos aí o quanto não pode uma oração como o Pai Nosso que já está inscrita em cada coração humano e cujas palavras são verdadeiras pérolas em louvor e reconhecimento a Deus.
Nas instruções sobre a maneira de orar, o Espírito V. Monod coloca em mensagem deixada em 1862, em Bordeaux, que ela deve ser profunda, uma vez que nossa alma tem de elevar-se para o Criador, de transfigurar-se, como Jesus no Tabor, a fim de lá chegar nívea e radiosa de esperança e de amor ("O Evangelho Segundo o Espiritismo", capítulo 27, item 22). Na mesma direção associa-se Santo Agostinho quando liga a fé à prece, dizendo que a primeira leva à segunda ("O Evangelho Segundo o Espiritismo", capítulo 27, item 23).
Em Mateus, encontramos o Pai Nosso logo após o ensino das bem-aventuranças, ocasião em que Jesus, vendo a multidão ao redor, sobe ao monte; e, tendo se assentado e se aproximado os seus discípulos, põe-se a ensiná-los a orar no tocante ao comportamento e às palavras a serem ditas: "E, quando orardes, não sejais como os hipócritas; pois gostam de orar em pé nas sinagogas, e às esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa. Mas tu, quando orares, entra no teu quarto e, fechando a porta, ora a teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará. E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque pensam que pelo seu muito falar serão ouvidos. Não vos assemelheis, pois, a eles; porque vosso Pai sabe o que vos é necessário, antes de vós lho pedirdes. Portanto, vós orareis assim..."
Cumpre a Jesus deixar-nos o exemplo de como devemos nos dirigir a Deus. Em "O Novo Testamento" vemos os apóstolos ressaltarem as inúmeras vezes em que ele, recolhido junto à Natureza para as suas reflexões íntimas, liga-se a Deus em colóquios de grandiosa fé. O silêncio é a marca maior de todas as passagens.
Devemos, pois, ensurdecer-nos para os barulhos do mundo seja na prece dominical, seja na prece que o nosso coração ditar no momento. Lembrando, como ensina o Evangelho, que a principal qualidade da prece é a clareza. Ela deve ser simples e concisa, sem fraseologia inútil ou excesso de adjetivação ("O Evangelho Segundo o Espiritismo", capítulo 28, item 1).
Nada mais cansativo do que frases floreadas numa suposta poesia do coração. O Pai Nosso é, portanto, o nosso grande recurso, em todas as horas; mas caso seja feita a opção da improvisação, sejamos simples à imagem do Cristo que sempre buscou Deus com humildade e reconhecendo-lhe ao mesmo tempo a majestade, lança no éter do Universo a sua devoção, dizendo com fervor: Pai Nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome!...
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