Humildade X Baixa-Estima
Há um tempo atrás eu comprei um livro que nas resenhas me chamou muito a atenção. Seria a publicação de várias cartas pessoais e íntimas de Madre Teresa de Calcutá. Eu adoro ler esse tipo de literatura, quando conseguimos sempre observar um grande ícone sob a sua própria ótica, despida dos louros que os títulos trazem. Numa biografia comum, geralmente é mostrado o ícone, mas numa autobiografia, ou em escritos pessoais, vemos muito mais que o ícone, vemos o ser-humano, o Filho de Deus por trás de toda a realização. Eu sou fascinada por leituras assim, porque aprendo sempre a respeitar muito mais a alma que se superou e se destacou em dedicação à Humanidade, não porque era mais Filho de Deus que qualquer um de nós, mas porque teve a coragem, a determinação e a entrega que nós não temos… Acima de serem ícones, são grandes exemplos de vida!
Mas fiquei um tempo, quase 2 anos sem terminar a leitura do livro. Não sei porque me desinteressei por ele na época. Lembro que parei de lê-lo para me concentrar numa biografia de Santa Clara, que se tornou um dos meus livros favoritos. Meu sonho era ter uma autobiografia de Santa Clara! Tantas atitudes que ela teve que para mim são mistérios insondáveis! Por que se auto-imolar sendo ela tão lúcida? Por que pedir esmolas, se Jesus – exemplo máximo – teve um ofício? Enfim, muitas perguntas que ficamos quando lemos biografias, por isso gosto tanto das autobiografias.
Mas isso fica para outra hora. Queria refletir sobre um trechinho do livro de Madre Teresa. O livro chama-se “Madre Teresa, venha, seja minha luz” e foi organizado por Brian Kolodiejchuk.
“Por que foi que tudo isso chegou à mim – a mais indigna das Suas criaturas – não sei – e tentei tantas vezes convencer Nosso Senhor a procurar outra alma, uma mais generosa – uma mais forte, mas Ele parece gostar da minha confusão, da minha fraqueza”. (trecho de uma carta de Madre Teresa à Madre Gertrudes, Superiora do Convento onde ela vez seus votos na Índia)
Isso é algo que sempre me intriga quando leio relatos de santos, grande ícones de virtudes e pessoas que se destacaram por fazer o bem e amar. Todos sempre se acham as piores criaturas, as mais pecadoras e mais fracas. Fico tentando imaginar o quanto disso é humildade e o quanto é baixa-estima. Pode ser apenas uma humildade imensa, mas tem toda a cara de baixa-estima, e confunde à nós, reles mortais.
Jesus, até onde se tem notícia, foi o Ser mais humilde que pisou nesse mundo. E Ele verdadeiramente *é* humilde. O maior de todos, sem dúvidas. Mas não se tem notícia de Jesus ter se menosprezado, de ter-se rebaixado como o pior dentre os piores. Pelo contrário, Ele sempre se valorizou como Filho de Deus. Claro que ele não tinha mais os defeitos que todos nós – até os Santos – temos, mas se Ele veio até nós para nos servir de exemplo máximo, então por que nos ensinou à nos valorizarmos tal qual Ele se valorizava?
Muitas vezes ele reerguia os pecadores, e mostrava à eles o quanto eles tinham valor como Filhos de Deus, e que tinham que fazer juz à esse valor! Convidava os mais pecadores à obrar em nome de Deus, à se auto-respeitaram abandonando o crime e buscando uma vida digna. Tirou a prostituda de Magdala de uma vida regada à todo tipo de devassidão, e transformou-a num dos maiores exemplos de renúncia, caridade e superação que se tem notícias. Fez de Mateus, um cobrador de imposto desonesto, um dos evangelistas mais lidos de todos os tempos.
Ele não era só um Mestre perfeito, era também um Psicólogo Sublime, porque trazia as almas da escuridão total de si mesmas, para a busca incessante da sua Luz Íntima, onde o Pai brilha e reluz sempre. Ele nunca quis que nos rebaixássemos e desvalorizássemos, mas quis sim, que cientes dos nossos pecados, abríssemos mão da prática deles, passando a nos auto-respeitar como criaturas dignas de serem instrumentos de Deus no mundo, em vez de instrumentos do mal.
Claro que Madre Teresa era digna da tarefa que à ela foi confiada, tanto quanto todos nós somos dignos das pequeninas tarefas que Deus nos confia, mesmo a mais insignificante. Claro que Madre Teresa era forte, porque só uma alma forte como ela seria capaz de abrir mão de seu ego para se dedicar inteiramente à Humanidade simplesmente porque essa era a Vontade de Deus. Eu, por exemplo, tão cedo na minha evolução não serei capaz disso, porque ainda sou muito apegada à meus problemas, à meus sentimentos, dores, alegrias, desejos e sonhos. Minha força e dignidade está limitada à tarefas bem pequenininhas, cotidianas e mundanas, por isso mesmo que Ele não me chama ainda para cuidar da Humanidade, só da minha filha mesmo já tá bom. Ainda nem tô perto de abrir mão de mim, então imaginem que à começar por mim, há gente muito mais indigna e fraca que ela, portanto não é justo que ela pensasse isso de si mesma, que ela se desvalorizasse assim.
Aí que penso estar a pedra de toque entre a humildade e a baixa-estima. Ela era verdadeiramente humilde por reconhecer que toda a obra era de Deus, não dela. Que ela era apenas instrumento Dele, e nenhuma nesga de vaidade ou orgulho saía de suas palavras, todo o tempo ela era só um instrumento, por mais que ela precisasse se superar e se esforçar pessoalmente para que a obra tivesse andamento, nunca depositava em si os louros das vitórias. Todo o tempo era Deus atuando através dela. Agora penso que a baixa-estima vinha da sua desvalorização enquanto Filha de Deus, porque se Ele a estava utilizando como instrumento, era porque ela tinha condições para tal. Nós não somos objetos que Deus usa sem que tenhamos nenhuma participação nisso.
Se assim fosse, então para que nos esforçarmos tanto para evoluirmos, para melhorarmos, para nos tornarmos instrumentos mais capazes, mais hábeis, mais úteis. O mérito da obra é de Deus, mas o mérito do nosso aprimoramento é nosso. Se fôssemos meros objetos inúteis que Deus, em Sua misericórdia, desse alguma utilidade, então por que Ele não chama um egoísta total para obras como a de Madre Teresa? Porque o egoísta ainda não se aprimorou suficientemente para ser instrumento de Deus em tarefas que exigem desprendimento do ego. Deus chama o egoísta para outras tarefas.
Nossa utilidade para Deus e sua Obra está sempre de acordo com nossas conquistas, com nosso próprio mérito. Se Ele a chamou para realizar tal obra, claro que era porque ela tinha méritos e possibilidades, e ela devia se sentir feliz consigo mesma por isso, se amar e respeitar como uma criatura valorosa, sem nunca achar que a obra era sua, como os vaidosos e orgulhosos acham, mas ciente também de suas possibilidades, não só de suas fraquezas. Ela não era tão ruim como pensava, tanto que Deus, o único que pode nos ver com perfeição, a achou digna e pronta.
Temos que aprender a nos valorizar, sem pecarmos pelo orgulho e vaidade, como geralmente fazemos. Acho essa uma das tarefas íntimas mais difíceis de serem realizadas, porque temos o hábito de nos valorizarmos pelas nossas supostas realizações, não pelas nossas vitórias sobre nosso ego. Achamos que somos o máximo porque fazemos caridade, quando na verdade é Deus que nos aproveita para socorrer quem precisa. Nós não fazemos caridade, nós nos pré-dispomos à sermos instrumentos de Deus, e temos o dever de nos aprimorarmos cada vez mais, para que possamos ser melhores e mais capazes instrumentos.
E como nos aprimoramos? De muitas formas, mas uma das favoritas de Deus é o sofrimento. Por que o sofrimento? Porque é quando sofremos que conseguimos entender o sofrimento das outras pessoas. É quando sofremos que aprendemos a nos sensibilizar com o sofrimento dos outros. Antes de sofrermos, estamos sempre centrados em nós. Depois que sofremos, passamos a ver o sofrimento dos outros com mais compaixão, com mais empatia, e por isso mesmo ficamos mais *dispostos* à trabalhar junto com Deus para minorar as misérioas do mundo. Enquanto estamos distraídos com nossa felicidade e bem-estar, Deus tem dificuldades de nos sensibilizar para o trabalho de Amor e Misericórdia que há para fazer em toda a parte.
Temos muitos planos, muitos sonhos, muitas coisas à realizar por nós mesmos, e quanto mais felizes e vitoriosos no mundo, menos nos dispomos aos planos, sonhos e realizações de Deus. Por isso às vezes Ele nos faz sofrer e até nos tira tudo, para que paremos de nos distrair e aprendamos a valorizar o sofrimento dos outros e a termos disposição para minorá-los, tanto quanto desejamos que o nosso fosse minorado, quando foi a nossa vez de sofrer.
Madre Teresa, sem dúvidas, em algum momento de sua evolução, sofreu bastante (como acontece com todo mundo, mais cedo ou mais tarde), e agora veio ao mundo para se dispor totalmente à Deus afim de minorar o máximo que suas forças permitissem, o sofrimento dos mais sofredores. Ela já nasceu vitoriosa, já nasceu disposta à Deus e desapegada de seu ego. E certamente nessa vida ela se superou em forças e em possibilidades, porque precisou crescer e realizar mais superações no decorrer da realização da obra de Deus, e por isso, em próximas oportunidades, será ainda mais digna e mais capaz do que foi nessa vida.
E assim é com todos nós, desde os mais ególatras até os Santos. Todos somos instrumentos de Deus, mas depende de nós sermos cada vez melhores e mais capazes instrumentos, com humildade para reconhecer que a obra não nos pertence, mas com auto-amor e auto-respeito para reconhecermos nossa parecela de mérito, dignidade e vitória pessoal em tudo que Deus realiza através de nós.
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