segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Singularidade - Adenáuer Novaes


“Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste.” Mateus, 5:48.

A busca de um significado para a Vida sempre foi a meta do ser humano. Um sentido que lhe dê  motivação e que lhe explique o porquê e para quê vive, constitui-se em sua maior aspiração. O Cristo  assinala que ser perfeito é regra sem exceção para todos os seres na natureza. Mas qual o sentido psicológico desse imperativo? Estaria ele falando ao ego ou ao Espírito?

Descobrir sua própria singularidade representa uma importante aquisição na evolução do Espírito, pois quando isto se dá, ele se depara com a liberdade de escolha e com a certeza de que não existe bem nem mal, mas apenas aquilo que lhe convém ou não. Até chegar a esse ponto, por força de sua imaturidade, o ser humano comete muitos equívocos, pois não sabe efetivamente o que lhe convém ou não, para a própria evolução.

A perfeição na Terra é fruto do consenso de conceitos entre os seres humanos. As qualidades que ele atribuiu a Deus são fruto da percepção de si mesmo,  constituindo-se naquilo que ele sabe não possuir, mas que poderia alcançar ao longo da sua evolução. O que Deus é, em realidade, o ser humano ainda não o sabe. Apenas ele Lhe atribui qualidades superlativas. A perfeição, vista dessa maneira, é uma criação  humana. Isso não invalida a visão de perfeição divina que temos. Deus é, independente de nossas pobres concepções e adjetivos.

Muitas vezes, por atribuir qualidades superlativas à perfeição, o ser humano se frusta por não obtê-la. Persegue-a, mas não a alcança. Certamente que, além do espaço exíguo de uma vida não ser suficiente, ele simplesmente se contenta com poucas qualidades conquistadas, abandonando seu propósito máximo. Assim ocorre com muitos indivíduos, nas diversas religiões e filosofias, que buscam uma espiritualização antes de viver sua própria humanização. Pensam que, por realizar algumas práticas religiosas ou por estar a serviço de seu credo, não necessitam viver sua humanidade. Antes de atingir o estado que considera de perfeição, o ser humano deve aprender a viver e conviver bem com seus semelhantes.

A muitos parece que esse estado deve ser alcançado com o objetivo de se viver bem após a morte, isto é, na espiritualidade, esquecendo-se de que o retorno à Terra é uma oportunidade de aprendizado. É exatamente o viver equilibradamente aqui na carne, que capacita o Espírito para a vida espiritual. De que vale viver para ser bom no futuro se no presente não se valoriza essa possibilidade? Seria realmente possível ser bom após a morte se não conseguiu tal proeza enquanto encarnado? Evidentemente que a resposta é negativa. Um dia a máscara cai e o Espírito se verá como realmente é.

A perfeição é uma meta cujo ápice é inalcançável. Constitui-se numa busca arquetípica do ser humano e como tal sua realização é inimaginável. Por ser uma tendência arquetípica não é possível materializá-la, mas apenas representá-la.

O imperativo de ser perfeito nos leva a entender que se trata de algo que se encontra como tendência a ser vivida pelo ser humano. O Cristo falava com conhecimento de causa de quem sabia da existência psíquica das tendências arquetípicas no ser humano. A tendência à perfeição é uma espécie de presença do Criador na criatura. Psiquicamente, todos a temos, e ela nos exige materialização. Realizar, ou tentar realizar a perfeição, possibilita ao Espírito, atravessando as diversas circunstâncias e vivendo as experiências da Vida, conhecer as leis de Deus.

O Cristo falava ao Espírito. Pode-se traduzir o  sede perfeitos por: não deixe de viver sua Vida, viva  sua humanidade, viva seu processo, comprometa-se com seus princípios, siga sua tendência divina, busque sua essência espiritual, torne-se consciente de sua evolução, realize seu Self.

A espiritualização deve se processar enquanto vivemos a humanização.  Não é um processo isolado ou que, necessariamente, se deva vivê-lo fora do contato com a sociedade. Pode-se, por algum período, buscar o recolhimento, o estar consigo mesmo, para depois de refazer-se, voltar ao convívio com o semelhante, a fim de pôr-se em prova.

O  sede perfeitos foi tomado equivocadamente como uma ordem para ser cumprida imediatamente, no espaço restrito de uma encarnação. É preciso que se atente para o fato de que são necessárias muitas vidas até que se atinja a percepção do processo psíquico que envolve a evolução. Esse processo deve ser conscientemente vivido e compartilhado.

Precisamos ter calma em relação a nós mesmos. Ter paciência para com as imperfeições, sem nos acomodarmos quanto à necessidade de evoluir. Ser  perfeito, dentre outros aspectos, é autodeterminar-se a espiritualizar-se.

Ninguém cresce sem atravessar obstáculos, nem evolui sem administrar perdas e submeter-se ao atrito da convivência com seu semelhante, que se constitui num espelho vivo do nosso mundo interior. Precisamos do outro tanto quanto os outros precisam de nós. A evolução é um processo individual e coletivo ao mesmo tempo. É um paradoxo solúvel, na medida em que percebemos a complexidade e simplicidade simultâneas do evoluir.

A individualidade ou singularidade é a marca do Criador na criatura. A construção da personalidade, que envolve a real percepção dessa individualidade, é tarefa do indivíduo juntamente com a sociedade da qual ele faz parte a cada encarnação, com o contributo que recebe nos intervalos entre elas. A descoberta dessa individualidade se dá na medida em que o ser humano vive no coletivo (família, sociedade, etc.). O processo de tornar-se perfeito, em verdade, envolve o individualizar-se sem a necessidade de isolamento. C. G. Jung chamava esse processo de individuação, que é, dentre outras definições, o viver a sua própria individualidade no coletivo.

O processo de  individuação não se confunde com o que se chama de  perfeição, pois não pressupõe a aceitação de regras religiosas ou de uniformização de atitudes externas. Individuar-se é realizar sua própria individualidade enquanto em sociedade. Nesse sentido,  sede perfeitos também equivale a: realize sua individualidade, verdadeira essência divina.

Para se buscar essa individualidade deve-se discriminar primeiro tudo aquilo que o mundo colocou em nós, isto é, o que faz parte da personalidade, mas que serve apenas como meio de adaptação à convivência social. Após essa identificação deve-se buscar retirar aquilo que nos atrapalha a evolução. O que restar  é nossa essência. É trabalho laborioso e difícil de se fazer, não raro requer ajuda e, de tempos em tempos, avaliação do processo.

Os cristãos, na sua maioria, perseguem a perfeição acreditando que ela é alcançável após algumas  práticas religiosas de fácil realização. Acreditam que, se não a alcançam, é porque são pecadores ou imperfeitos. Justificam seus insucessos através de sua própria condição, sem perceber que, talvez, o equívoco esteja em sua interpretação da mensagem cristã. O Espiritismo vem propor  uma nova visão do significado da palavra perfeição, diferindo da exigência radical de tornar-se perfeito sem o trabalho de construção interior. O Espiritismo é uma doutrina cristã mas não adota as práticas exteriores das religiões cristãs.

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