sexta-feira, 27 de maio de 2011

MIRAGENS DO PERSONALISMO.



"Com efeito, como poderá um homem bastante presunçoso para acreditar na importância da sua personalidade e na supremacia das suas qualidades, possuir ao mesmo tempo abnegação bastante para fazer ressaltar em outrem o bem que o eclipsaria, em vez do mal que o exalcaria?".(O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. X - item 10).

Conhecida fábula humana relata o caso de alguns porcos espinhos que tiveram o seu habitat atingido por intensa queda na temperatura. Quase desfalecendo de hipotermia, a única medida viável seria aproximarem-se, abraçando-se, para serem protegidos com o calor de seus corpos. Contudo, isso os constrangeria a sofrer as fincadas dos espinhos. Um deles, optando por recusar a proximidade, escolheu por debandar em busca de abrigo, escapando do abraço doloroso; logo adiante veio a perecer, sem a menor chance de vencer as intempéries.

A "decisão" infeliz do animalzinho é figura comum nos relacionamentos humanos, estabelecendo doentias crises de personalismo.

Persona é a máscara das artes gregas; significa a cobertura, o inverídico, o ego.

Personalismo é a excessiva valorização de si mesmo, podendo tomar as mais variadas máscaras, quais sejam a vaidade, a tirania, a leviandade, a tristeza...

Faceta de ostensiva influência nas operações da mente, o sentimento do personalista, em razão da natureza das forças que mobiliza, atinge decisivamente o departamento mental da imaginação, desenvolvendo complexos mecanismos de autocentrismo que fomentam miragens variadas sobre si mesmo, levando a criatura a encantar-se em hipnótico fascínio com qualidades, conquistas, posses, valores e experiências da vida, determinando miragens de autovalorizaçao excessiva e pertinaz.

No lar, assoma-se a miragem das regalias de que se faz credor, acreditando, na sua enfermidade personalista, que o dever cumprido é promissória debitada aos familiares a qual o credencia a ser servido incondicionalmente.

Na profissão, ocupa-se com a miragem dos direitos, olvidando, quase sempre, as obrigações e funções que deveria cumprir com empenho, dedicação e espontânea boa vontade.

Na comunidade doutrinária, sofrendo crises de memória, passa, de assistido beneficiado, à condição de trabalhador exigente, que se julga insubstituível e dotado de excelentes quesitos para o trabalho, em miragens de presunção e invigilância.

Nós, que nos decidimos pela autotransformação sob as luzes do Espiritismo, devemos cuidar de fixar o trabalho como oportunidade, e as vitórias como testemunhos da despretensão, na erradicação do cruel personalismo do qual somos, e talvez sejamos por longo tempo, escravos infelizes em busca da libertação de suas algemas.

Razão pela qual a sinceridade nos campos dos sentimentos será antídoto eficaz contra o egoísmo, devassando sem medo e admitindo sem inibição, para nós mesmos, as mais secretas emoções da vaidade e do amor-próprio que se movimentam na intimidade, fazendo um auto-encontro com as facetas sombrias da personalidade. Após esse mergulho interior, regressemos ao mundo das sensações buscando a oração a Deus, integrando-nos, humilde e abnegadamente, com seu Suprimento Universal, revigorando-nos as forças para dominarmos as tendências ora reveladas, e perceberemos, pouco a pouco, o ruir das falsas e atordoantes miragens que a imaginação emitia para os departamentos da decisão e da ação, em prejuízo do nosso melhor ajustamento nas experiências da reencarnação.

Tomados por tais ilusões, atiçamos o autoritarismo, a indiferença e mesmo o descaso a muitos viajantes que nos compartilham os caminhos doutrinários. Nesse clima, os "espinhos" do outro são sinônimo de incômodo e repulsa, levando muitos companheiros, premidos pela presunção, a permitirem um psiquismo inamistoso e, por fim, tombar nas malhas da maledicência, decidindo pelas tormentas do isolacionismo, do centralismo e da insensatez doutrinária.

Esse quadro rememora a fábula dos porcos-espinhos, levando-nos aos rumos da frieza de afeto por desistir de abraçar os diferentes, os supostos oponentes, os menos simpáticos que surgem, inclusive, em nossas leiras de amor.

O amor, o afeto, é antídoto eficaz interrompendo o fluxo rotineiro da "imaginação enfermiça", o qual opera a manutenção de uma auto-imagem centrada na supremacia das qualidades pessoais, que nem sempre possuímos.

Sejamos nós mesmos e aprendamos a nos prezar e valorizar. O eminente Carl Gustav Jung, fundador da psicologia analítica, asseverou: "Só aquilo que somos realmente tem o poder de curar-nos".

O amor é o sentimento projetado para fora destinando a atenção e o interesse, o desejo e a vontade na direção do próximo e da vida.

Os efeitos indesejáveis do personalismo para a tarefa espírita podem ser percebidos no servidor quando se crê demasiadamente valoroso, evitando delegar responsabilidades por acreditar que ninguém as cumprirá com a mesma desenvoltura, ou ainda quando espera tributos de reconhecimento alheio, asilando revolta e desgosto se não for compensado pela gratidão alheia, agastando-se com facilidade e promovendo a desunião, se não for atendido em seus "caprichos de serviço".

Ninguém é insubstituível na vinha, embora devamos assinalar que o tempo no serviço de regeneração da humanidade é escasso e cada abandono significa descontinuísmo e atraso.

Valorizada deve ser a nossa participação, menos para a Seara e mais para nós mesmos, frente à extensão de nossas necessidades. Deixemos de lado o quanto antes as miragens prejudiciais do nosso personalismo e ajuizemos com sinceridade a nossa condição espiritual. Quase sempre somos pequenos vaga-lumes que lampejam no bem, no entanto, sob o fascínio da vaidade, acreditamos ser sóis fulgurantes de luz e calor espraiando seus raios pelo universo...

(Do Livro "Unidos Pelo Amor" - Wanderley S. Oliveira, pelos Espíritos Ermance Dufaux e Cícero Pereira).

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