sexta-feira, 6 de maio de 2011

EGO E SOMBRA SEGUNDO JUNG


 Qual a relação entre Ego e Sombra?

A persona e a sombra são dois importantes conceitos estruturais da psicologia analítica.

A persona vem latim “per sonnare” que indicava “por onde passa a voz” que indicava a máscara utilizada pelos antigos artistas. Segundo Jung, a “persona é um determinado sistema complexo de comportamento parcialmente ditado pela sociedade e parcialmente ditado pelas expectativas ou desejos que a pessoa alimenta sobre si mesma. Ora, isso não é a personalidade real. Apesar do fato das pessoas garantirem que tudo é perfeitamente honesto e real,não é.” (EVANS, R. Entrevistas com JUNG e as Reações de Ernest Jones, p. 80)

A persona se desenvolve a partir da consciência coletiva. Para termos uma noção melhor acerca da consciência coletiva, devemos recorrer a Durkheim. Segundo ele:

O conjunto de crenças e de sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade forma um sistema determinado que tem sua vida própria; pode-se chamá-lo de consciência coletiva ou consciência comum. Sem dúvida, ela não tem por substrato um único órgão; ela é, por definição, difusa em toda extensão da sociedade; mas não tem caracteres específicos que a tornem uma realidade distinta. Com efeito, ela independe das condições particulares em que se encontram os indivíduos; eles passam e ela permanece. É a mesma no Norte e no Sul, nas grandes e nas pequenas cidades, nas mais diferentes profissões. Da mesma forma, não muda a cada geração mas, ao contrário enlaça umas às outras as gerações sucessivas. Ela é portanto uma coisa inteiramente diferente das consciências particulares, ainda que não se realize senão nos indivíduos. Ela forma o tipo psíquico da sociedade, tipo que tem suas propriedades, suas condições de existência, seu modo de desenvolvimento, tal qual os tipos individuais, ainda que de uma outra maneira. (...) Existem em nós duas consciências: uma contém os estados que são pessoais a cada um de nós e que nos caracterizam, enquanto os estados que abrangem a outra são comuns a toda sociedade. A primeira só representa nossa personalidade individual e a constitui; a segunda é do tipo coletivo e, por conseguinte, a sociedade sem a qual não existiria. Quando um dos elementos desta última é quem determina nossa conduta, não é em vista do nosso interesse pessoal que agimos, mas perseguimos fins coletivos. (DURKHEIM, 1990, p.74-76)

A persona se origina da relação entre a consciência coletiva e o indivíduo. A persona se desenvolve juntamente com o ego. Podemos dizer que a persona é uma ponte entre o ego e mundo, tal qual uma ponte, a persona une e aproxima, mas também separa. O desenvolvimento adequado da persona possibilita que o ego experimente o mundo de uma forma saudável e nutridora, sem que a coletividade consciente prejudique o desenvolvimento desse ego.

A persona é uma imagem representacional do arquétipo de adaptação, isto é, do impulso natural que leva o individuo ao contato com o mundo. Fundamental para a individuação do ego na primeira infância. A persona(como potência arquetípica) direciona o ego ao mundo exterior, ao mundo da linguagem. Inicialmente, a persona não está distinta ou diferenciada do ego, sendo o puro impulso ao mundo exterior. Com o desenvolvimento da criança, isto é, do ego, a persona se diferencia do mesmo assumindo um caráter de complexo, intimamente relacionado ao ego. A persona “assume sua forma” no contato com consciência coletiva. Como máscara, ou máscaras, a persona vai possibilitar a inserção saudável do individuo que se forma no self social. Agregando a si, os papeis sociais que darão identidade ao ego como o papel de filho, irmão, o papel sexual, de colega, de aluno, estes papeis correspondem a identidade do ego, mas não são o ego. E é importante que no desenvolvimento saudável do individuo esses papéis sejam bem diferenciados para que o ego tenha um inserção social adequada, assim como uma relação saudável com o inconsciente.

Um desenvolvimento precário da persona na infância pode provocar o desenvolvimento de um ego fragilizado e inadaptado. Em determinados casos, isso pode ocasionar um problema na separação do ego com o inconsciente, ocasionando casos de psicóticos.

Segundo Hall, existem, entretanto, casos de funcionamento anômalo da persona que exigem com freqüência uma intervenção psicoterapêutica. Três destacam-se: (1) desenvolvimento excessivo da persona; (2) o desenvolvimento inadequado da persona; e (3) identidade com a persona a tal ponto que o ego se sente equivocadamente idêntico ao papel social primário. O desenvolvimento excessivo da persona pode produzir uma personalidade que preenche com precisão os papéis sociais, mas deixa a impressão de que não existe, “dentro”, uma pessoa real. O desenvolvimento insuficiente da persona produz uma personalidade que é abertamente vulnerável à possibilidade de rejeição e dano, ou de ser arrebatada ou eliminada pelas pessoas com quem se relaciona.(...)A identificação com a persona é um problema que se reveste de maior gravidade, em que existisse uma percepção insuficiente de que o ego é inseparável do papel da persona social, de modo o que tudo o que ameace o papel social é vivenciado como uma ameaça direta à integridade do próprio ego.” (HALL, Jung e a interpretação dos Sonhos, p. 24)

Segundo Jung, “A meta da individuação é despojar o si-mesmo dos invólucros falsos da persona, assim como das imagens primordiais” (Jung, O eu e o Inconsciente, p.50).

No processo de individuação, é necessário redimensionar a relação com o mundo, assim repensar os papéis que assumimos e como os assumimos.

A sombra

A sombra não é um conceito claramente delimitado. Pode ser encontrado na literatura junguiana como: (1) Tudo o que é inconsciente; (2)o Arquétipo da Sombra; (3)o Inconsciente Pessoal e como (4)a parte inferior do Ego.

(1) Tudo o que é inconsciente: Corresponde a todos os conteúdos que não estão no foco da consciência neste momento. O que envolve tanto os processos psíquicos quanto físicos/corporais.

(2) O arquétipo da sombra : Corresponde a energia instintiva que está fora do domínio da consciência e representa um perigo para a mesma. As representações da Sombra indicam sempre perigo.Em sua forma mais instintiva é representada por monstros irracionais e destruidores. Num âmbito “superior”(cultural) a sombra pode ser representada pela figura do Antagonista, a personificação do Mal.

(3) Como o inconsciente pessoal: O inconsciente pessoal é formado pelos complexos. Quando estes não estão integrados à personalidade também correspondem a sombra, aqui considerada como um elemento destoante no psiquismo, potencialmente geradora de neuroses.

(4) Como parte inferior do ego : A sombra do Ego agrega todos os elementos de identidade que foram “sacrificados” em nome da boa constituição e adaptação do ego ao contexto cultural e familiar. Segundo Hall:

“As tendências e impulsos rejeitados pela família não são simplesmente perdidos; tendem a se aglomerar como imagem do alter ego, logo abaixo da superfície do inconsciente pessoal. Como o conteúdo ou qualidades da sombra eram potencialmente parte do ego em desenvolvimento, continuam comportando um sentido de identidade pessoal, mas de uma espécie rejeitada e associada a sentimentos de culpa. Uma vez que a sombra foi dinamicamente dissociada da identidade do ego dominante no decorrer do desenvolvimento inicial, seu possível retorno para reclamar uma parcela de vida consciente provoca ansiedade. (HALL, Jung e a Interpretação dos sonhos, p. 20)

A sombra (como aspectos do inconsciente pessoal ou como a parte não desenvolvida do ego) e deve ser integrada a realidade do ego, segundo Jung:

Ao tornar-se consciente a sombra é integrada ao eu, o que faz com que se opere uma aproximação à totalidade. A totalidade não é a perfeição, mas sim ser completo. Pela assimilação da sombra, o homem como que assume seu corpo, o que traz para o foco da consciência toda a sua esfera animal dos instintos, bem como a psique primitiva ou arcaica, que assim não se deixam mais reprimir por meio de ficções e ilusões.” (JUNG, Ab-reação, analise de sonhos, transferência, p.106)

Uma pessoa pode se relacionar com a sombra tanto de forma consciente quanto inconsciente. Quando falamos em relacionar com a sombra de forma inconsciente, queremos dizer sem a percepção e a vontade do consciente do ego, o que ocorre por meio dos mecanismos defesa do ego, como Freud bem descreveu. Conscientemente, o ego se relaciona com a sombra pelo contato e mudanças de atitude visando a assimilação (integração) da mesma.

Lidar com a sombra, não é uma atividade fácil. Pois, o reconhecimento da sombra “vem naturalmente com o perigo sucumbir à sombra. No entanto, com esse perigo nos é dada a possibilidade da decisão consciente de não sucumbir a ela. De qualquer maneira, o inimigo visível é melhor que o invisível” (JUNG, Ab-reação, analise de sonhos, transferência, p. 86)

Sucumbir à sombra, impossibilita ao ego restabelecer o contato com o arquétipo central. Ao sucumbir a sombra é como se o ego se identificasse com problema. Podemos pensar em uma postura como se o individuo dissesse “agora sei o que preciso saber, isso me basta”. O ego se identifica com a sombra, não a transcende. A sombra oferece uma ilusão de poder, conhecimento e totalidade. Sucumbindo à sombra, o Ego tem a ilusão ser uma totalidade em si.

Utilizando uma metáfora cinematográfica, podemos usar o filme "StarWars III". Nele "Anakin Skywalker" cede ao lado negro da força, de forma característica, tornando-se Darth Vader. Ao sucumbir à sombra da força, "Anakin" acaba por perder o que lhe era mais importante, sua amada Padmé (uma clara representação da anima - o arquétipo da vida - que é justamente o que o herói deve encontrar após vencer o monstro-sombra), perdendo também a orientação de seu mestre "Obi Wan", que ele tenta matar. "Anakin" perde sua identidade, se tornando mais máquina que homem, sendo apenas "Darth Vader".

Passar pela experiência da Sombra é uma prova de coragem e decisão. Coragem para ver quem se é e decidir quem se quer ser.

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