quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Desapego



Escrito por André de Paiva Salum

As criaturas humanas, no nível evolutivo atual, em sua grande maioria, ainda manifestam o senso de posse e o consequente apego àquilo que têm a ilusão de possuir.

Como parte da estrutura do ego e de seus transtornos, há desejo de prazer, de pessoas, riquezas, poder, posição social... também apego a sentimentos, ideias, conceitos e preconceitos, arraigados na estrutura psíquica de quem os sente.

Quando alguém manifesta o desejo de posse e nele se fixa, restringe sua percepção da realidade. O apego é limitante, pois faz com que se focalize excessiva atenção e energia no objeto apreciado, distorcendo a visão da realidade, impedindo uma perspectiva mais ampla. Essa atitude traz, inevitavelmente, insegurança e sofrimento, frutos do medo de perder o que é desejado.

Quem deseja possuir acaba possuído pelo desejo.

Quem se perde no engano da posse, se prende a uma ilusão. Todo apego é a posse de uma ilusão, jamais de uma verdade, pois a verdade sempre liberta.

O apego é uma prisão sem grades, espécie de auto-obsessão de quem não aceita as constantes e inevitáveis mudanças em tudo o que existe.

Há quem se apega ao passado, deixando de viver plenamente o agora. Pode-se permanecer apegado a pessoas, ideias e sentimentos durante várias encarnações, gerando problemas cármicos e dificuldades à própria emancipação. Qualquer desejo de posse longamente cultivado cristaliza-se na estrutura mental, tornando sua libertação complexa e demorada.

Nas experiências religiosas também há a necessidade de despojamento do passado. Alguém que em existências pregressas professou determinada religião, se não se livrou de condicionamentos e crenças pode, na atual encarnação, ter dificuldade de adaptação a novos conceitos e vivências de natureza espiritualista. Cada um traz, como parte de seu patrimônio íntimo, as limitações do passado ainda não superadas. Assim, a filiação atual a determinado movimento espiritualista mais avançado é silencioso convite da vida à renovação interior.

A Vida é dinamismo, movimento e transformação incessantes, em todos os níveis e dimensões em que se manifesta. Portanto, aquele que deseja viver em harmonia com o fluxo renovador da vida precisa constantemente despojar-se, libertar-se, deixar o que já passou, o que não mais serve ao momento evolutivo. É um grande desafio que requer muita vigilância e atenção, pois há a tendência de se acomodar naquilo que é conhecido e aparentemente seguro. O desapego, embora pareça uma perda, ao se abrir mão de algo ou de alguém, na verdade é um ganho, pois fica-se livre daquilo que não mais serve ou não mais contribui para a vida, a harmonia e a felicidade. Causa apreensão inicial a ousadia de se desprender de algo, de um vício, preconceito, de uma ideia, pois permanecem em seu lugar uma insegurança, um vazio. Mas é só nesse vazio deixado pelo desapego que pode surgir o novo, a energia criativa e renovadora que impulsiona a evolução de tudo o que existe.

Tudo o que aparentemente perdemos é porque de fato não nos pertence. A perda abre espaço para novas descobertas e conquistas.

O caminho espiritual, com seus ensinamentos e vivências, dá ao homem uma visão muito mais ampla da vida, dos seres e sua dinâmica evolutiva. Aprende-se que tudo flui, que tudo se transforma, que tudo o que percebemos com os sentidos é a aparência externa da realidade essencial.

Quando o ser consegue viver em estado de desapego, muda sua perspectiva de vida. Os relacionamentos e as situações passam a ser percebidos e vividos com serenidade e paz. O verdadeiro desapego traz liberdade, por isso é também libertador. Nada tem a ver com indiferença ou desinteresse, pois quem se desapega fica livre para manifestar o amor de modo mais puro. Significa também respeito profundo, pois o ser desapegado abre mão do desejo de controlar e manipular pessoas, situações e relações.

O desapego só ocorre quando se vive a realidade do Espírito, ou Self, além das ilusões possessivas do ego; quando se tem consciência da permanente metamorfose de tudo o que existe; de que tudo e todos pertencemos a Deus; de que nunca perdemos nada, pois o Pai sempre fornece tudo o que seja necessário à felicidade de todos os Seus filhos.

Na atual fase de transição planetária em que as mudanças e transformações ocorrerão de forma cada vez mais intensa e profunda torna-se imprescindível a prática do desapego como forma de evitar sofrimentos desnecessários e estar mais livre para servir. O exercício do desapego é terapêutica de autolibertação e de autocura.

Apegar-se a que, se nem mesmo o corpo físico nos pertence? A única coisa que temos, como dom divino, é a vida, em sua jornada incessante. Quem se desapega torna-se livre para amar, e quem ama é feliz.

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