Não adianta "fecharmos as cortinas da janela da alma" a fim de levarmos uma vida
de sonhos - repleta de pensamentos e vazia de experiências -, atenuando ou impedindo
os estímulos externos. Isso é um "desapego defensivo", ou resignação neurótica, e não
uma virtude genuína.
Denominamos "desapego defensivo" o mecanismo de fuga da realidade, utilizado, de
forma inconsciente ou não, por pessoas que possuem um constrangimento autoimposto
proveniente do medo de amar, ou mesmo de se perder na sede de amor por
objetos, pessoas ou idéias e de serem absorvidas por enorme necessidade de
dependência e submissão fora do próprio controle.
Esse "desapego de proteção" tem como base profunda um processo mental ativado tão
logo o indivíduo perceba algo ou alguém que tenha grande significado para ele, e que, se o perdesse, seria muito doloroso. Ele adota uma atitude de contenção dos
sentimentos e se isola com indiferença e desprezo diante do seu mundo sensível.
Declara-se desinteressado e frio, mantendo por postura íntima o seguinte pensamento:
"Eu não me importo", quer dizer, "Não abro as portas do meu sentimento". (Aliás, a
palavra 'importar" vem do latim importare - "trazer para dentro" ou "trazer para si").
Assim, ele não se sentirá frustrado ou ameaçado pelos conflitos, porquanto supõe ter
atingido um "real desapego", quando, na verdade, apenas utiliza uma desistência da
expressão, do anseio, da vontade, da satisfação e da realização pessoal, ou seja,
restringe e mutila a vida ativa.
Por outro lado, o "desapego saudável" é uma vivência que leva ao crescimento íntimo
e a uma expansão da consciência, enquanto a experiência defensiva conduz a um
bloqueio das sensações, fazendo com que as pessoas vivam numa aparente fuga social,
exibindo atos e comportamentos fictícios, envolvidas que estão por uma atmosfera de
falsa renúncia e altruísmo.
É considerada pelos Espíritos Superiores como "duplo egoísmo" a atitude de certos
"homens que vivem na reclusão absoluta para fugir ao contato do mundo" .
Não podemos nos esconder atrás de valores sagrados para camuflar conflitos de
caráter afetivo, sexual, profissional, cultural, religioso — isso é escapismo. Enfim, uma
deserção da participação social é, na verdade, um fenômeno retardatário do
amadurecimento psicológico. Esse tipo de desapego, que parece ter como motivo um
imenso desprendimento por bens materiais ou pessoas, comprova, acima de tudo, ser
apenas um desejo de fuga ou um receio proveniente do egoísmo.
Uma atitude auto-imposta por dúvidas e desconfiança, insegurança e temor, além de
nos auto-agredir, nos afasta do caminho natural e nos desvia do dinamismo evolutivo
da Vida Providencial. Não adianta "fecharmos as cortinas da janela da alma" a fim de
levarmos uma vida de sonhos - repleta de pensamentos e vazia de experiências -,
atenuando ou impedindo os estímulos externos. Isso é um "desapego defensivo", ou
resignação neurótica, e não uma virtude genuína.
As criaturas do mundo estão cheias de fictícios desapegos que, na realidade, reduzem
a visão da verdadeira espiritualidade, dificultando as muitas maneiras de despertar as
potencialidades da alma.
Diz-se que um indivíduo "apegado" é indeciso e inerte, por- que perdeu a conexão
consigo mesmo; não sabe mais o que quer para si, não mais navega os mares nem
desbrava os continentes de seu reino interior - desviou-se de sua rota existencial.
Disse Jesus: "Em verdade, em verdade, vos digo: Se o grão de trigo que cai na
terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muito fruto. Quem ama
sua vida a perde e quem odeia a sua vida neste mundo guardá-la-á para a vida
eterna." 2 O entendimento das palavras do Mestre pode nos libertar do sofrimento a
que nos arremessou o apego. O "amar a vida" ou "odiar a vida" a que o Cristo se refere é, exatamente, o despertar ou a conscientização de que as coisas vêm e vão na nossa
existência, e que é preciso adotar a prática
do desapego em relação a elas. O apego é a memória da "dor" ou do "prazer" passado,
que carregamos para o futuro. Atrás de cada sofrimento existe um apego."Se o grão de
trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muito
fruto". Eis a excelência da mensagem: tudo em nossa vida terrena é transitório, vai
passar; vai mudar e ir além... Os "grãos de trigo" vão tomar uma nova feição - se
transformarão num imenso trigal e, mais adiante, se converterão na prodigalidade do
alimento generoso.
Apego é a não-aceitação da impermanencia das coisas. Na Terra nada se perpetua,
somente a alma é imortal.
Que pensar dos homens que vivem na reclusão absoluta para fugir ao contato do mundo?
Duplo egoísmo."
Mas se esse retiro tem por objetivo uma expiação, impondo-se uma privação penosa, não é ele
meritório?
Fazer mais de bem do que se faz de mal, é a melhor expiação. Evitando um mal ele cai em outro,
visto que esquece a lei de amor e de caridade. " 2
João, 12:24 e 25
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