“De graça recebestes, de graça dai.” Mateus, 10:8.
Os objetivos que traçamos para nossa Vida determinam o modo como passamos por ela e como sentimos as experiências vivenciadas. Sempre que esses objetivos polarizarem conhecimentos ou aprendizados incompletos, necessitaremos vivenciar seus complementos. Se objetivamos, por exemplo, ganhar sempre, teremos, em dado momento, que aprender a lidar com o perder. Se intencionarmos agredir alguém, necessariamente passaremos pela dor com que atingiríamos o outro a fim de aprendermos a lidar com o que nos opõe, e, dessa forma, nos educarmos. O que vem ao nosso encontro é aquilo que precisamos aprender e, muito precisamente, é algo que sintoniza com nosso mundo interior. O interno atrai o externo, e, na maioria das vezes, o determina.
Quando endereçamos algo para alguém, receberemos de volta o que emitimos de acordo com o objetivo que empregamos inicialmente. Se vendermos algo a alguém ou trocarmos um objeto por outro ou por dinheiro, não teremos o objeto inicial de volta, mas aquilo que nos propomos a buscar com o resultado da operação. Mesmo que seja um objeto semelhante ao primeiro, lidaremos antes com a energia do meio utilizado para a troca. Nossos objetivos últimos são balizas mestras para a Vida. Quando usamos a malícia nas relações que estabelecemos com o mundo, teremos de volta, em resposta, a mesma malícia que empregamos. Somente lobos caem em armadilhas para lobos. A medida que o mundo usa para nos medir é resposta à mesma que utilizamos para com a Vida.
Dar de graça o que de graça recebeu é agir na Vida como gostaria que o universo respondesse para consigo. É atuar no mundo com uma certa dose de inocência e ingenuidade características de quem tem puro o coração. Não é a inocência e ingenuidade dos tolos, mas a pureza e consciência de quem sabe o que quer para si sem subtrair do outro.
Do ponto de vista psicológico, o efeito dessa forma de agir é o mesmo que ocorre quando abrimos nossa percepção da realidade, enxergando melhor as alternativas diante de um conflito. Essa atitude para com a Vida impede que os mecanismos de defesa sejam acionados como fuga à realidade, dando-nos melhores condições psíquicas frente aos problemas e desafios do cotidiano.
Quando se fala em gratuidade, imediatamente se pensa em dinheiro, em recursos financeiros e na própria subsistência. Muitas pessoas têm problemas financeiros, o que as coloca em situação difícil diante da necessidade de adquirir meios de se manterem. Isso dificulta uma melhor percepção do significado de viver as experiências de ter ou não ter dinheiro. Caso não vivêssemos sob a pressão de buscar recursos para a sobrevivência, entenderíamos que ambas as situações (riqueza ou pobreza) se assemelham. Elas nos possibilitam aprendermos as leis de Deus. Ter ou não recursos são estados externos a serem enfrentados, que nos capacitam a lidar com a gratuidade do universo a nosso favor. Quem já aprendeu a lidar com as duas formas e suas nuances, certamente não terá dificuldades no campo financeiro. Saber lidar com dinheiro é também não acreditar que tudo deva ser feito de graça. Tudo tem seu preço. Caso não paguemos por algo, alguém o estará fazendo. Receber de graça é responsabilidade maior do que imaginamos.
Para começar a aprender a lidar com recursos, vamos iniciar reduzindo a nossa natural cobiça em obtê-los e o desejo arquetípico de ganhar sempre e exclusivamente. Vale dizer, trabalhar o nosso egoísmo arquetípico, ampliando o significado do repartir e compartilhar. Participando dos processos naturais de competição para obtenção de recursos com a mente voltada para a solidariedade e o desejo de que os outros também obtenham sucesso.
Esse egoísmo ancestral decorre da excessiva valorização que atribuímos ao ego e seus processos de aquisição de poder. Isto funciona automaticamente como um padrão repetitivo de pensar e sentir. De tanto agirmos em proveito próprio acabamos por acreditar que a psiquê funciona dessa forma. É um padrão típico de comportamento que funciona como um comando, porém que pode ser modificado.
O nosso estado de espírito e nosso desejo em compartilhar o que ganhamos ou adquirimos pelo esforço pessoal, possibilita a que nos habilitemos a receber da Vida, enfrentando menores dificuldades em obter novamente os recursos de que precisamos para viver. Quanto mais se cobiça, mais dificuldades se terá em obter o que se deseja.
Isto vale para recursos financeiros como para o relacionamento a dois. Quanto mais se quer ter a posse, mais dificuldades se apresentam na relação. Quem ama liberta, desejando a felicidade própria e, principalmente, a do outro. O desejo de posse, ou a vontade de obter vantagem, aprisiona a psiquê num processo de autopreservação que dificulta a percepção da Vida, alienando o ego da possibilidade de desenvolver-se. Buscar o progresso pessoal é dever de todos e tarefa inalienável,porém deve-se receber da Vida o que ela oferece em troca dessa atitude.
É sempre importante perguntar-se o porquê não se obteve o que se desejou. É sempre oportuno colocar-se na posição de quem não mereceu ou não soube desejar. Dessa forma, ninguém é responsável pelas perdas e derrotas a não ser o próprio indivíduo. Os outros que participaram ou desejaram nossa derrota, ou mesmo, atuaram conscientemente contra nós, são meros instrumentos da nossa necessidade em aprender a administrar perdas.
Dar de graça o que de graça recebeu é objetivar que a lei de Deus aja conosco como estamos agindo com a Vida que Ele nos deu. Não há mérito em ganhar se não aprendemos a obter. Não há sentido em obter algo se não para aprender alguma lei de Deus. Obter por obter, mesmo por meios lícitos, não é o sentido de viver.
A nossa psiquê age por compensação. Muitas vezes, queremos obter materialmente para compensar o vazio espiritual que criamos em nós. A imaturidade espiritual promove a necessidade de compensação pela aquisição de valores amoedados. Certas afecções psicológicas, tais como a angústia, o ciúme, a raiva, a inveja, dentre outras, muitas vezes, são compensadas com a necessidade de alimentar-se em demasia, com a pressa em atirar-se às compras, ainda que sem recursos, com a valorização da posição social, com a ocupação de um cargo mais importante, com a prepotência e o autoritarismo, etc.
A gratuidade é uma forma de se viver melhor e num estado de espírito harmônico e preparado para os dificultadores naturais da Vida. Dar de graça não significa ser perdulário ou premiar a ociosidade alheia; é, em realidade, predispor a psiquê a aprender a lidar com as perdas e os limites do Espírito.
Dar de graça o que de graça recebeu é utilizar a energia psíquica que temos em favor do nosso crescimento, em favor do outro em nossa Vida e em favor do próprio universo. Essa energia, a serviço da cura, é fator que contribui para a felicidade pessoal e do outro em nossa Vida. O ser humano em sua trajetória evolutiva acumula o potencial de curar a si mesmo e o de auxiliar seu próximo a crescer.
O bem que se tem é o bem que se faz. A gratuidade que recebemos da Vida é aquela que nós mesmos fizemos no passado reencarnatório como também a que fazemos hoje.
A atitude psicológica de dar de graça o que não se sabe como se obteve ou como chegou às nossas mãos, significa estar sempre disponível para continuar recebendo os mesmos recursos doados.
Fazer o bem gratuitamente alicerça no psiquismo o sentido de viver a Vida como um dom de Deus.
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