segunda-feira, 18 de junho de 2012

É difícil falar sobre Deus?

Pouco mais de sete palavras foram usadas pelos espíritos para responder em O Livro dos Espíritos à pergunta de Kardec: "O que é Deus?" Pergunta simples?
Nem um pouco. A busca por seu entendimento remonta ao início das civilizações.
O comum sentimento que todos trazemos da existência de Deus, desde o alvorecer das civilizações, não torna mais fácil a tarefa de discorrer sobre o tema. Porém, alicerçado na vontade de difundir os conhecimentos que angariou sobre esse e outros temas espíritas, o escritor e expositor Gerson Monteiro assumiu o desafio e passou, há oito anos, a assinar a coluna dominical "Em nome de Deus", do jornal carioca Extra, de grande circulação (cerca de 400 mil exemplares vendidos aos domingos). Além do interesse pelo estudo, a vida se encarregou de cunhar-lhe qualidades para verter, com conhecimento de causa, temas como o que dera ao título de um de seus livros, Entusiasmo para Viver. Diante da perda de entes queridos – a primeira esposa, com quem viveu por 34 anos, três filhos, dois ainda crianças e uma com 39 anos de idade, além de um neto com oito anos, todos desencarnados em conseqüência de tumores cancerígenos –, escolhera, em vez do desânimo, a alegria e a valorização da vida. Espírita desde a juventude, Gerson permaneceu por vinte anos à frente dos trabalhos da USEERJ – União das Sociedades Espíritas do Estado do Rio de Janeiro. Hoje, preside a Rádio Rio de Janeiro, onde apresenta desde 1991 o programa Debate na Rio. Recentemente, por intermédio da própria emissora, Gerson nos concedeu a seguinte entrevista:

O que é Deus para você?

Falar sobre Deus constitui sempre uma tarefa muito difícil, embora agradável, tendo em vista a distância que separa os homens, criaturas finitas e imperfeitas, da grandeza e perfeição do Criador. O professor Milton O'Reilly de Souza escreveu com acerto: "Deus, a idéia mais alta do pensamento humano, é simples, como motivo de crença e adoração e se torna complexo como motivo de conhecimento e explicação". Assim, Deus melhor se sente do que se entende. É como disse Léon Denis: "Há coisas que de tão profundas só se sentem, não se descrevem".

Você acha que os homens se abstêm de estudar Deus por não entendê-Lo?

Sim. Mas isso não impediu, absolutamente, que os grandes pensadores, nos campos da cosmologia e da metafísica, tivessem se dedicado a tal pesquisa. Criaram até uma ciência para isso: a Teodicéia. O grande filósofo da França, Descartes, baseia-se no chamado argumento ontológico para afirmar que Deus existe: "eu tenho idéia de um ser, de um ente perfeito; este ente perfeito tem que existir, porque se não existisse faltar-lhe-ia a perfeição da existência e então não seria perfeito. É o argumento pela evidência". Outro vulto notável do pensamento francês, Voltaire, revela seu raciocínio prático, ao afirmar: "o Universo me espanta e não posso imaginar que este relógio exista e não tenha relojoeiro". Deve-se, porém, ao famoso S. Tomaz de Aquino, autor da famosa Summa Theológica, a prova da existência de Deus mais convincente, baseada nos argumentos metafísicos, o estudo das ciências não físicas.

Que argumentos são esses?


Que a existência de Deus pode ser provada por cinco vias: a do movimento, da causalidade, dos seres contingentes, dos graus de perfeição dos seres e da ordem do mundo. Esses argumentos se sintetizam por: 1 – Se no mundo existe movimento ou mudança, que caracteriza o vir a ser, deve existir um motor primeiro que não seja movido por nenhum outro, pois se tudo fosse movido, teríamos o efeito sem causa; 2 – Há uma causa absolutamente primeira, transcendente às causas em geral; assim, se existem as causas segundas, deve existir a causa primeira, porque as causas segundas são efeitos; 3 – Existem seres contingentes, que não possuem em si mesmos a razão de sua existência, que são, mas poderiam não ser; se existem seres contingentes, deve existir um ser necessário; 4 – Existem vários graus de perfeição, referentes à beleza, à bondade, à inteligência, à verdade; então deve haver um ser infinitamente perfeito, porque o relativo exige o absoluto; 5 – Pela ordem do mundo, pela organização complexa do Universo, pelo governo das coisas, tudo é devido a uma inteligência ordenadora, superior, absoluta, necessária.

O Espiritismo se estrutura em conceitos filosóficos dos mais elevados. Que prova ele nos oferece quanto à existência de Deus?

As provas citadas não repugnam a inteligência mais lúcida e mais lógica e o Espiritismo nada lhes tem a opor. Quanto à existência de Deus, se não houvesse motivos outros para admiti-la, este seria bastante, conforme está na questão 4 de O Livro dos Espíritos: "Onde se pode encontrar a prova da existência de Deus?" Resposta: "Num axioma que aplicais às vossas ciências. Não há efeito sem causa. Procurai a Causa de tudo que não é obra do homem e a vossa razão responderá". E Kardec acrescenta: "O Universo existe, logo tem uma causa". Por isso, repetimos: Deus é a causa primária de todas as coisas.

Podemos definir Deus ou conhecer melhor sua natureza?

Definir é limitá-Lo, o que é impossível com Deus: infinito, absoluto, eterno. Isso não impede, entretanto, que especulemos, no bom sentido, pois o homem é um ser eminentemente metafísico. Já O Livro dos Espíritos nos informa que Deus é a "inteligência suprema, a causa primária de todas as coisas", o que nos leva a examinar o que seja inteligência, o que seja causa. Sabemos que o espírito constitui o princípio inteligente do Universo, mas que sua natureza íntima ainda nos é desconhecida (questão 23). A inteligência, atributo essencial do espírito é, segundo Claparede, a capacidade de resolver problemas novos por meio do pensamento, é a capacidade de adaptação a situações novas. Isso quer dizer que, diante da dificuldade, o homem pensa, reflexiona e procura resolvê-la da melhor maneira. Entretanto, a inteligência no homem é limitada, só em Deus é suprema. A prova dessa inteligência superior está na obra de Deus, o Universo infinito (questão 9). Causa é um conceito filosófico importante e se define com tudo quanto concorre para que uma coisa exista. Como a existência de todas as coisas e seres se deve a Deus, diz-se que Ele é a causa primária, principal, eficiente de que dependem todas as outras causas.

Se Deus não é autor do Mal, por que permite que ele exista?

 Nós, espíritas, sabemos que Deus é puro amor e jamais nos criaria para o sofrimento. Deus, portanto, não é o autor do Mal, fruto apenas de nossa imperfeição. Alguns conceitos emitidos por estudiosos desse assunto que tanto têm preocupado filósofos e religiosos em todos os tempos são:
"O Bem é essência do Criador, o Mal, essência da criatura" – São Paulo.
"O Mal é a medida da inferioridade dos mundos e dos seres" – Gustave Geley.
"O que é o Mal? É Deus que adormece na consciência humana" – Victor Hugo.
"Fundamentalmente considerada, a dor é uma lei de equilíbrio e educação" – Léon Denis.
"O Mal é a ausência do Bem" – Allan Kardec.
Ainda é de Léon Denis esta definição, que consideramos muito boa: "O Mal é o Menos evoluído para o Mais, o Inferior para o Superior, a Alma para Deus".

O professor Carlos Toledo Rizzini, no livro Evolução para o Terceiro Milênio, salienta que "para progredir foi permitido ao espírito humano violar a Lei, promover a desordem ao redor de seus próprios passos, de modo a conhecer as conseqüências do erro e afastar-se dele. Deus dispôs, portanto, que durante certo tempo lhe fosse possível abusar e errar para aprender, pagando o preço do sofrimento. É a dor o fator que traz o homem de volta ao regaço divino, depois que se desviou do rumo traçado pela Lei".
D. Ludegero Jaspers, em seu Manual de Filosofia, afirma que "Deus recusaria ao homem a liberdade, nobre prerrogativa, se não lhe desse possibilidade de agir e, portanto, de errar. Por isso Ele dá mérito ao homem que resiste ao mal".
Todos esses conceitos se enquadram nos da filosofia espírita, segundo a qual o espírito, criado simples e ignorante, é dotado de liberdade ou livre-arbítrio, que lhe permite escolher, optar entre o que é certo, segundo a Lei de Deus, e o que a contraria, ou seja, o mal. Pelo resgate das culpas, através do arrependimento, da expiação e da reparação, o espírito se redime e alcança a felicidade.

O que você diria sobre o mal físico?

O mal físico consiste na dor fisiológica, e tem função de regeneração e reparação. André Luiz nos esclarece, em sua obra Ação e Reação, que há três formas de dor, sobre a qual Victor Hugo afirmou: 
"Dor! Chave dos Céus!"

Dor-evolução – mola do progresso, atuando de fora para dentro, aprimorando o ser, por isso atinge os próprios animais irracionais.

Dor-expiação – que vem de dentro para fora, marcando a criatura no caminho dos séculos, detendo-a em complicados labirintos da aflição, por regenerá-la perante a Justiça. Regenera o Espírito, provocando-lhe o arrependimento, sujeitando-a a expiação e o levando à reparação das faltas.

Dor-auxílio – que evita o mal maior, a queda no crime ou concorre, freqüentemente, "para o serviço preparatório da desencarnação, a fim de que não sejamos colhidos por surpresas arrasadoras, na transição da morte". Sobre esta modalidade de dor, Humberto de Campos ensina em sua página "A moléstia salvadora", do livro Reportagens do Além-Túmulo. É o caso de um espírita casado, com filhos, que se vê enredado por moça leviana, que o induz a abandonar o lar, para viver com ela. Embora assistido por um espírito amigo, o confrade está prestes a fazer a vontade da moça, sentindo-se fraquejar. É então que outro espírito, mais sábio e experiente, aconselha o protetor do moço a provocar nele uma doença séria, que o joga numa cama de hospital. A moça, quando o vê prostrado, mal dissimula o desapontamento e some para sempre...

E o mal moral, existe?

Tanto o mal físico como o moral são obras do procedimento dos homens. Começam e terminam entre eles. Deus não cria o mal. 
Com referência ao mal moral, ele consiste na violação do dever, dos princípios éticos, das leis divinas. Está ligado ao nosso direito de liberdade e vontade, expressa através do livre-arbítrio, levando um grande filósofo, Leibniz, a afirmar que "o mal moral, no homem, é conseqüência de um grande bem – o livre-arbítrio; é condição para o mérito". Ele argumenta que "o mal metafísico é o limite puro e simples, que resulta da ausência de perfeição não exigida pela Natureza: a planta não vê, o homem não voa. O mal metafísico é apenas um limite, e Deus só poderia evitá-lo deixando de criar. A criatura é limitada necessariamente e mais vale existir assim, a não existir".

Imanência e transcendência são noções inseparáveis, segundo o exige a própria razão. É possível explicar melhor este aspecto?

Para começar, dizemos que o Espiritismo é dualista, de vez que admite a separação, em essência, substancial de Deus, o Criador, de sua criação. Imanência de Deus significa sua presença espiritual em tudo, como causa final e universal, de vez que Ele é o Criador de todas as coisas e seres. Por isso disse o apóstolo Paulo: "em Deus temos a Vida, o movimento, o Ser". Entretanto, a imanência de Deus não impede sua absoluta independência em relação ao Universo, que Ele criou, e é isso que denominamos de transcendência.
Assim, imanência e transcendência se completam na natureza divina, pois sem a primeira, Deus se faria estranho ao Universo e não seria, por isso, infinito nem perfeito. Sem a transcendência, Deus seria idêntico ao Universo e também imperfeito, como o próprio Universo em evolução.
Assim, em resumo: Deus, por suas leis, eternas como Ele, está presente na Criação, por efeito de sua imanência, sem se confundir com o Universo criado por Ele (Questão 77 de O Livro dos Espíritos), isto porque as leis de Deus permitem a ligação de todas as coisas ao Seu poder e à Sua perfeição; entretanto, por Sua transcendência, Deus continua distante do Universo, independente de tudo quanto cria. E-mail: gerson@radioriodejaneiro.am.br

A Presença de Deus

Um sábio, certa feita, inspirado, disse ao discípulo: 
– Meu filho, em tudo podemos notar a existência, a presença de Deus, sustentando-nos a felicidade e a segurança. Na beleza da flor, no verde da mata, no azul do céu, na majestade do oceano, no animal que passa, no brilho das estrelas, no sorriso da criança... Em toda a Criação, há sinais da Sublime Presença, convidando-nos à confiança e oferecendo-nos conforto e alegria.
Impressionado com tais raciocínios, o discípulo deixou a casa do mestre, e, retornando ao lar, divagava:
"Sim, Deus está presente em tudo: nesta flor que desabrocha deslumbrante, naquela cascata que canta a sublimidade da Criação, no Sol que ilumina o Mundo...".
Despertando do seu deslumbramento íntimo, avistou um elefante furioso que corria pela estrada em sua direção. Montado no animal, um homem advertia, desesperado, aos gritos:
– Sai da frente! Sai da frente!
"Ah!" - suspirou, tranqüilo, o crente. "Deus está em tudo. Nada há a temer, porquanto a Majestade Divina está presente também naquele elefante furioso que se aproxima. O nobre animal também faz parte da Criação...".
Mal teve tempo de formular semelhante raciocínio, foi violentamente colhido pelo paquiderme, que o atropelou como um trem expresso, jogando-o à distância.
Com contusões generalizadas, sentindo mil dores, foi socorrido por seu mestre, que ouvira o barulho. Medicado, ainda gemendo de dor, o discípulo comentou queixoso:
– Mestre, o senhor disse que Deus está em todas as manifestações da Natureza, até nos animais. Veja como fiquei por confiar em que o Senhor Supremo estava naquele elefante furioso!...
O sábio sorriu e respondeu:
– Meu filho, realmente Deus está presente em tudo. Até mesmo naquele elefante furioso. Entretanto, você se esqueceu de que o Todo-Poderoso estava presente também naquele homem que gritava a plenos pulmões: "Sai da frente! Sai da frente!...".
Publicado no jornal Correio Fraterno, edição 407- jan/fev 2006

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