segunda-feira, 18 de junho de 2012

As Quatro Nobres Verdades


As Quatro Nobres Verdades - Parte 6

Carlos Alberto Iglesia Bernardo

IV - Questões Filosóficas

A questão da Causa Primeira

- Budismo

"Certa vez, na floresta Simsapa do Kosambi (perto de Allahabad), pegando algumas folhas na mão, perguntou aos discípulos: - Que pensais, bhikkhus ? Quais as mais numerosas ? Essas poucas folhas na minha mão, ou as que estão na floresta ?
- Senhor, certamente as folhas da floresta são muito mais numerosas !
- Da mesma forma, bhikkus, do que sei não disse tudo e o que não divulguei é muito mais. E por que eu não lhes disse ? E por que eu não lhes disse ? Porque isto não é util e não conduz ao Nirvana" (Samyutta-Nikaya).
(...) Buda explicou a Malunkyaputra que a vida espiritual não depende de opiniões metafísicas. Qualquer que seja a opinião sobre estes problemas, existe sempre o nascimento, a velhice, a decrepitude, a morte, a desgraça, as lamentações, a dor, a angústia - "logo, declaro: a cessação de tudo isto é o Nirvana ainda nesta vida".
- Por conseguinte, Malunkyaputra, considere explicado o que expliquei, e o que não expliquei, como não-explicado. Não esclareci se o universo é eterno, ou não é, etc., etc., porque não é útil e não está fundamentalmente relacionado com a vida espiritual, não conduzindo ao desapego, à cessação, à tranqüilidade, à penetração profunda, à realização, ao Nirvana. Estes são os motivos pelos quais não falei. Que foi que expliquei ? Expliquei a existência do sofrimento, o aparecimento ou a origem do sofrimento, a cessação do sofrimento e o caminho que conduz à cessação do sofrimento.E por que expliquei isto ? Porque é útil e está fundamentalmente relacionado à vida espiritual que conduz ao desapego, à cessação, à tranquilidade, à penetração profunda, à libertação, ao Nirvana".
Trechos do cap. "Contra Especulações Metafísicas", Budismo, Psicologia do Autoconhecimento
O Budismo não vê objetivos práticos nas questões envolvendo a origem do Universo e sua Causa Primeira. Considera que a essência do ser é eterna e que a questão se há uma "Causa Primeira" ou um criador não são importantes para seu destino. Assim, não acredita em um "Deus Pessoal" e afirma que o destino do ser depende unica e exclusivamente de seus atos e da lei de causa e efeito.
O problema de como o ser entrou no circulo de causa e efeito não lhe interessa, mas sim como libertar-se dele. Todos os seres (animais, vegetais, homens, "deuses", etc...), tem a mesma "essência", todos com a mesma capacidade de iluminar-se e o mesmo desejo de libertar-se do sofrimento.

- Espiritismo

"Que é Deus ? Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas"
Questão nº 1, O Livro dos Espíritos
"A ordem universal reinante na Natureza, a inteligência revelada na construção dos seres, a sabedoria espalhada em todo o conjunto, qual uma aurora luminosa e, sobretudo, a universidade do plano geral regida pela harmoniosa lei da perfectabilidade constante, apresenta-nos, já agora, a onipotência divina como sustentáculo invisível da Natureza, lei organizadora, força essencial, da qual derivam todas as forças físicas, como outras tantas manifestações particulares suas.
Podemos, assim, encarar Deus, como um pensamento imanente, residente inatacável na essência mesma das coisas, sustentando e organizando, ele mesmo, as mais humildes criaturas, tanto quanto os mais vastos sistemas solares, de vez que as leis da Natureza não mais seriam concebíveis fora desse pensamento, antes são dele eterna expressão". cap. Deus, Deus na Natureza, Camille Flammarion.
A concepção espírita sobre o Universo, sua metafísica, tem raizes cristãs, sua base é Deus, "Causa Primeira" de todas as coisas e de todas as leis morais e físicas que regem a criação. A lei de Causa e Efeito faz parte do ordenamento moral do Universo, cujo objetivo é o progresso do ser. O espírito, individualização do princípio inteligente, começa da forma mais simples e, conduzido por ela, evolui até a perfeição relativa[1] .

- Análise

Curiosamente a posição de Buda em não incentivar a especulação sobre as origens do universo e a natureza de uma causa primária, não é muito diferente da apresentada pelos Espíritos que orientaram a Codificação Espírita. Quanto Kardec procurou aprofundar as questões sobre a natureza de Deus, estes lhe responderam que há coisas que escapam a nossa compreensão atual e que não nos faria melhores o fato de especularmos a respeito, pelo contrário, poderia nos induzir ao orgulho, levando-nos a tomar nossas hipóteses por conhecimentos que efetivamente não temos:
"(...) Deus existe, não se pode duvidar, isto é essencial. Creiam-me, pois ir mais além seria lançar-se num labirinto de onde não se poderia sair. Este conhecimento não os tornaria melhores, mais porventura mais orgulhosos, porque acreditariam saber o que na realidade não sabem. Deixem, portanto, de lado todos esses sistemas e teorias; há muitas coisas que cabe aos homens desembaraçar-se. Isto lhes será mais útil do que pretender penetrar no que é impenetrável". Resposta a questão 14 do Livro dos Espíritos (da tradução de Sandra R. Keppler para a editora Mundo Maior).
A principal diferença entre o Budismo e o Espiritismo está na importância que dão a questão sobre a existência de Deus, ou, em outras palavras, ao reconhecimento de uma "Causa Primeira" de todas as coisas.
Para o Espiritismo o "problema do ser, do destino e da dor" - o "porquê da vida" - está intrinsecamente ligado a resposta para esta questão. Na filosofia espírita o ciclo de encarnações - o samsara dos Budistas - nada mais é que um recurso didático na longa jornada evolutiva do espírito.
É a existência da inteligência suprema, da Causa Primeira, que explica porque há uma direcionalidade nas leis morais universais, sempre no sentido de progresso - da brutalidade para a angelitude, da ignorância para a sabedoria, do mal para o bem. As próprias leis materiais são parte disto também, criando o cenário onde o espírito exercita suas faculdades e progride rumo a libertação da ignorância e do sofrimento.
Deus, sábio e justo, atua no Universo através de leis universais. Sua essência nos é desconhecida, mas sabemos que é em última análise a realidade suprema, que tudo mantém. A concepção espírita, que pode ser classificada como de um "Deus Pessoal"[2], defende que somos nós mesmos que construímos nosso destino, através dos nossos atos, mas também postula que Deus, por ser "amor", sempre nos abre caminhos para o progresso. Somos livres para trilha-los, assim não nos isenta da responsabilidade de nossas escolhas.

1 - Me parece que é correto dizer que Deus é o "limite" desta evolução, no sentido matemático, por ser infinito em perfeição. O ser sempre tenderá a ele, mas jamais o igualará.
2 - "Quanto à visão do Deus Pessoal e Impessoal, é preciso não esquecer que são posições humanas relativas à capacidade que temos hoje de entender a Divindade, mas que, em realidade, nada dizem sobre ela realmente. Acho que a Impessoalidade e a Pessoalidade são aspectos derivados da posição que adotamos. Em realidade, à Impessoalidade somos conduzido pela transcendência divina, e à Pessoalidade somos induzido pela imanência. Se oramos, nos relacionamos pessoalmente com o Divino, mas quando dizemos quando erguemos os olhos para o infinito, a Impessoalidade nos acorre. Como voce pode verificar mesmo considerando a Impessoalidade há um poder de criação. Se há criação, há momentos criativos." Elzio Ferreira de Souza, comentando um esboço deste artigo e me explicando o que realmente significa o conceito de "Deus Pessoal". Foi justamente nesta questão conceitual, do que significa a crença em "Deus Pessoal", em contraposição a concepção Budista, de não aceitar um "Deus Pessoal", que encontrei os maiores obstáculos.
(Publicado no Boletim GEAE Número 434 de 2 de abril de 2002)

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