Psicólogo 01-13641
membro da Comunhão Espírita de Brasília
Lidar com a perda nem sempre é algo fácil de se fazer, visto que é algo que temos de lidar com os nossos mais primitivos sentimentos de desamparo e vulnerabilidade. Mas como e o que fazer diante da situação inevitável de lidar com a perda do objeto amado?
Muitas vezes criamos espelhos das nossas relações pessoais no nosso inconsciente de forma fantasiosa, criamos um ser amado que não existe e jamais existirá no mundo real e, no entanto, trazemos para o mundo real toda a carga de demanda emocional e frustração para com o nosso ser amado. Alguns estudiosos do assunto dizem que quanto mais se ama mais se sofre, porém, como um sentimento tão sublime quanto o amor pode causar tantos danos? Certamente, encontraremos a resposta na forma com que construímos e administramos esse sentimento. Freud dizia nos idos de 1913 que “Nunca estamos tão mal protegidos contra o sofrimento como quando amamos, nunca estamos tão irremediavelmente infelizes como quando perdemos a pessoa amada ou o seu amor”.
Precisamos reconhecer em nós os sentimentos que nos são característicos, conhecer os eventos que desencadeiam as nossas mais primitivas e elaboradas emoções, conhecer em nós mesmos os efeitos físicos que os sentimentos nos causam, enfim, ter consciência corporal dos sentidos.
Quando uma pessoa perde uma pessoa amada dizemos que o sentimento característico é o sentimento da dor e quando há a ameaça da perda, dizemos que há a angústia diante da ameaça da perda, como se o nosso corpo já preparasse todas as nossas ferramentas conscientes e inconscientes, para lidar com a possível ameaça a nossa harmonia estrutural.. Mas e quando a perda vem de forma abrupta e irreparável como na experiência da morte de um ente querido? Essa dor que não pôde ser amortecida e de certa forma preparada pela angústia, causará no indivíduo que a experimenta a dor traumática que desestrutura o sujeito, de tal modo que não consiga, no nível consciente, experenciá-la e resignificá-la de forma a se restabelecer de prontidão, ficando efetivamente um trauma, podendo, inclusive fazer da dor física um sintoma da dor emocional.
Há, portanto, urgência no conhecimento daquilo que se sente para que possamos reconhecer os momentos em que estamos na condição de ajudar a dor do outro ou na condição de receber auxilio. Há de se reconhecer à existência daquilo que o psicanalista J-D Nasio, intitula de Dor de Amar, que de acordo com o autor, essa dor é o afeto que traduz na consciência a reação defensiva do eu quando, sendo comocionado[1], ele luta para se reencontrar, neste caso, segundo o autor, a dor é uma reação.
Diante dessa dor, que não pode ser representada em sua totalidade em palavras, o indivíduo sob risco de se esgotar psiquicamente e emocionalmente, concentra suas forças em um só ponto: a representação do amado perdido. A partir desse momento a consciência do sujeito fica inteiramente ocupada em manter viva a imagem daquele que se foi, até mesmo colorindo de cores mais vivas e positivas o amado perdido daquelas que anteriormente se tinha consciência.
Esse artifício desempenha papel primordial em preservar o sujeito do esgotamento de suas emoções atirando-a em um luto patológico que causaria dados incalculáveis a sua vida.
Elisabeth Kübler-Ross, médica suíça que se dedicou aos cuidados paliativos e desenvolveu a teoria da morte e o morrer[2], apresentou cinco fases no processo de assimilação da angústia da perda ou da perda abrupta, em outras palavras, do luto, são elas:
1. Negação – Serve de amortecedor para o impacto da perda até que a pessoa tenha condições minimamente razoáveis de lidar com o ocorrido.
2. Raiva – O sujeito já assimilou o fato (a perda, o diagnóstico e seu prognóstico sem expectativa ou a amputação de um membro, por exemplo) tenta de algum modo culpar algo ou alguém por sua incompreendida situação como meio de encontrar racionalidade a dor.
3. Negociação – No desespero diante do ocorrido e do despreparo emocional para lidar com a perda o sujeito “tenta” barganhar com a espiritualidade algo em troca da restituição daquilo que foi perdido.
4. Depressão[3] – É uma fase de preparação para a fase seguinte, o sujeito tende a se repensar ou repensar a relação com aquele que se foi. Esta é a fase em que o silêncio significa muita coisa, pois está repleto de reflexões que não podem ser verbalizadas em sua totalidade.
5. Aceitação – O sujeito passa a aceitar a sua condição seja do ângulo de quem vive uma doença terminal ou alguém que perde o ser amado.
Inicialmente as fases citadas foram elaboradas para descrever o processo da morte e do morrer, ou seja, para aquele que perde o ser amado e para aquele que vivencia gradualmente a sua morte por uma doença terminal, contudo, com o aprofundar dos estudos sobre essas questões, essas fases são aplicadas nos dia de hoje de uma forma geral a todos os processos de enlutamento, de perda do objeto amado, ex: separações, perda de membros do corpo, doenças incuráveis.
Acontece, de forma gradual, entre um pólo e outro; entre a fase de negação e a fase de aceitação um processo de desinvestimento e outro de superinvestimento. No primeiro, acontece que o sujeito, inconscientemente, retira todo investimento emocional das suas representações e demais vínculos afetivos para superivesti-los intensamente na representação daquele objeto que se perdeu, causando o luto. O psicanalista J-D Nasio[4], conclui que esse esvaziamento súbito causado pelo desinvestimento é tão doloroso quanto o superinvestimento em um único objeto de amor, considero até que a manutenção desse supervinvestimento propicia o desenvolvimento de psicopatologias. Nasio resume a dor de amar como: “o afeto que exprime o esgotamento de um eu inteiramente ocupado em amar desesperadamente a imagem do amado perdido. O langor e o amor se fundem em dor pura”.
Assimilar a perda nem sempre é fácil, ainda mais quando não trabalhamos em nós o desapego ou a crença em formas mais elaboradas e evoluídas de transformação da vida e do sentimento, por isso na nossa sociedade o luto é algo tão complicado de se fazer porque simplesmente não paramos para refletir sobre o processo. Não nos repensamos, diria até que não pensamos sobre a perda. Passamos o tempo nos iludindo com a dor ou com formas de entretenimento e anestesias emocionais que bloqueiam a resignificação da perda.
De acordo com Nasio, o luto é nada mais do que uma lentíssima redistribuição da energia psíquica até então concentrada em uma única representação que era dominante para o sujeito que vivencia a perda. Mas nos dias de hoje, realizar o luto está cada vez mais difícil, as relações são substituídas sem serem repensadas, os sentimentos são mascarados com drogas (lícitas ou ilícitas) e condutas de vida que não lhes permitem a análise minuciosa da ferida.
É como se em um cesto de roupas sujas fossemos empilhando uma roupa suja em cima da outra, considerando cada roupa uma metáfora para cada perda/trauma, por fim o cesto há de transbordar e o sujeito terá de encarar todas aquelas roupas de uma só vez. Assim é quando não pensamos nas nossas relações e não dedicamos espaço e tempo para analisar cada uma delas devidamente ao seu tempo, corremos o risco de ter um transbordamento de sofrimento que imperiosamente fará com que teremos de paralisar a vida para lidar com o acúmulo de emoções que não foram assimiladas ao longo do tempo.
[1] Que sofre as conseqüências de uma comoção.
[2] KÜBLER-ROSS, E. Sobre a morte e o morrer. São Paulo, Martins Fontes, 1992.
[3] Não confundir com a patologia depressão descrita na Classificação Internacional de Doenças – CID 10.
[4] NASIO, Juan-David. A dor de amar. Rio de Janeiro, Jorge Sahar Ed., 2007.
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