segunda-feira, 8 de outubro de 2012

O grande outro em mim mesmo - Adenáuer


“Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem.” Mateus, 5:44.

Muito embora o preceito de amar o próximo como a si mesmo esteja escrito no Antigo Testamento, como algo novo, ele também se encontra na essência de todas as religiões da Terra, constituindo-se num código moral elevado e na regra áurea da humanidade. Sua aplicação é fundamental para o desenvolvimento dos seres humanos, sendo o sentimento que eleva a alma e dignifica a vida.

A necessidade de vivenciar o sentimento do amor se encontra radicada no inconsciente de todos, à maneira de um  arquétipo. É uma tendência natural, na medida que todos possuem, constituindo-se numa espécie de selo divino no psiquismo.

Isso quer dizer que somos naturalmente impulsionados a amar em todas as experiências que atravessamos. Em que pese a tendência natural e inconsciente para o amar, encontramos dificuldades na consciência para realizá-lo. A principal dificuldade está quando permitirmos que o sentimento contrário a ele predomine na consciência: o egoísmo. Esse egoísmo decorre da ignorância que temos em relação ao nosso mundo interior. Quanto mais nos conhecermos, menos egóicos seremos e mais capazes de amar.

Para superar a dificuldade em realizar essa tendência inconsciente, o Cristo propôs o amor ao inimigo. A palavra inimigo resume os diversos sentimentos contrários ao amor que abrigamos internamente. A barreira que impede a realização do amor se constitui de sentimentos inamistosos, face às imperfeições que possuímos e às dificuldades em nos relacionarmos com aqueles que se nos opõem.

Amar ao inimigo é abrir um canal de percepção do mal que existe em nós, sem receio de que ele nos tome. O mal não tem existência real, pois é fruto apenas das censuras introjetadas. Bem e mal são faces de uma mesma moeda. O amor ao inimigo é o mais alto grau de amor que se pode alcançar.

O Cristo compreendendo isso trouxe outro preceito a fim de atingir ainda mais a consciência do ser humano. O amor ao próximo está no inconsciente coletivo, portanto, profundo e deve ser trazido à tona através das experiências reencarnatórias, que se constituem em lições educativas. O amor ao inimigo é um comportamento e um sentimento que exige muito mais que a tendência arquetípica do amor ao próximo. Enquanto este é realização de Deus em nós, aquele é a nossa realização no próximo.

A tendência ao amor é coletiva, portanto, todos a possuem, porém, sua realização, isto é, sua materialização é pessoal, singular. Deverá ser de iniciativa da criatura, pois é algo aprendido. É uma aquisição que depende do desejo pessoal, não sendo uma tendência inata, muito embora o amar seja arquetípico. Ao propor o amor ao inimigo, o Cristo estava trazendo algo novo, que o ser humano não conhecia e, para aplicá-lo, teria que vencer uma resistência arquetípica, isto é, aquela que o faz gostar dos que lhe são próximos, daqueles que lhe favorecem. Amar o inimigo é superar seus próprios conceitos internos conscientes, bem como sua tendência inconsciente à satisfação egóica. A necessária consolidação do  ego, como representante do  Self, cuja tendência é a realização de si mesmo, exige um alto grau de satisfação e poder. Essa predisposição do ego contribui para que se evitem, de forma inconsciente, sentimentos de amor àqueles que contrariam seus desejos.

O ser humano é seu próprio inimigo. Por  instinto, ele enxerga no outro o que desconhece ou nega em si mesmo. Ele carrega em si mesmo a própria  sombra. O modo como considera ou julga os fatos que ocorrem à sua volta, será determinante para a constituição de seu sistema de valores. Esse sistema irá determinar o que é bem e o que é mal para si mesmo, sem, no entanto, constituir-se numa verdade. Ao propor o amor ao inimigo, o Cristo vem atingir esse sistema de valores internos, alicerçados nas encarnações, para que o próprio indivíduo reduza suas tendências projetivas. O que vemos e julgamos, nem sempre é o que realmente está ocorrendo. Nós constantemente nos enganamos, face às limitações naturais que possuímos. Ninguém deve ser condenado preconceituosamente apenas por um ato. O ser humano é uma totalidade espiritual, e como tal deve ser visto.

O grande  mal que se abate sobre o ser humano, de forma sorrateira, porque inconsciente, são as projeções que ele mesmo faz. Não as percebe nem se dá conta de que as faz. Cultivando o hábito de se analisar, de não atribuir a outrem as responsabilidades pelos seus infortúnios, ele será capaz de reduzir as projeções. O amor aos inimigos reduz a carga emocional que nos impulsiona às projeções inconseqüentes. Indiretamente, por força da ação do amor, aquele que consideramos ou que se considera inimigo, receberá o nosso desejo de amá-lo. Essa ação reduz a animosidade existente, até cessá-la.  O amor ao inimigo age diretamente naquele que o realiza, evitando a baixa autoestima. Quem consegue amar aquele que se lhe opõe, melhora seu estado psíquico geral, produzindo uma sensação de estar com a consciência tranqüila de quem cumpre um dever. É um  eficaz antídoto à inércia diante da Vida, inibindo a depressão. Noutro sentido, é a prática da não-violência, que nos leva à conquista do respeito do outro.

A evolução do Espírito se constitui em ultrapassar processos, cuja complexidade é cada vez mais crescente. Esses processos, por sua vez, se subdividem em vários outros numa imensa teia concentrada no amor de Deus. Esses processos de desenvolvimento espiritual são estritamente pessoais e intransferíveis. São processos existentes no campo afetivo, intelectual, profissional, familiar, financeiro, relacional, sexual, social, orgânico, psicológico, espiritual, etc. Realizar-se é resolver os diversos conflitos existentes nesses campos, sem ausentarse da responsabilidade perante os equívocos cometidos. Assumir  esses equívocos como sendo resultantes da ignorância espiritual requer maturidade e discernimento. Eles não são fruto de um mal externo, pois este não existe. Tampouco há um mal real interno. O que chamamos de mal, muitas vezes, decorre do conceito social imposto a nós. Esse mal nada mais é do que nossa ignorância perante as leis de Deus. Portanto, amar o inimigo é reconhecer que ele não o é, pois se trata apenas de minha própria ignorância que o utiliza como justificativa para aquilo que não compreendo em mim mesmo e que vejo projetado nele.

Todos os nossos conflitos devem ser analisados do ponto de vista do sujeito, e não do objeto. Isto é, eles não decorrem face ao que está fora de mim (objeto), mas são fruto de mim mesmo (sujeito). Eu sou o agente e o paciente daquilo que me ocorre. Devo sempre me perguntar: o que preciso aprender com o que me está ocorrendo? Quando tiver aprendido a lição, a ocorrência não mais será necessária. Amar o inimigo é aprender lições que impedem processos dolorosos no caminho evolutivo.

O outro em minha vida, com o qual não me relaciono bem, serve-me para projeções. Não é ele a causa de meus problemas, mas algo em mim mesmo que atribuo a ele.

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